Interpretar com um oceano pelo meio será um exercício difícil. Por mais explicações que se produzam, e seguir-se-ão em catadupa, falta-nos a experiência americana. A vivência em primeira mão situar-nos-ia de forma diferente. Tratou-se de uma vitória inequívoca de Donald Trump e do Partido Republicano. Presidência, voto popular, Senado, Câmara dos Representantes, governadores... uma enxurrada vermelha.
O Partido Democrata terá muito que remoer e, pela frente, um período de acentuada fragilidade política. Esta é a parte dos palpites amadores. Creio que os democratas perderam o fio à meada. Enrolados por questões e questiúnculas culturais, minguam em áreas fundamentais como a economia e a imigração. Procuram formar coligações de grupos de eleitores, somando diferentes demografias, enquanto negligenciam políticas e narrativas transversais à maioria dos cidadãos. Para versões boazinhas de políticas neoliberais antes o original, o Partido Republicano. Os norte-americanos partilham de inquietações semelhantes a outros povos: saúde, educação, trabalho... mas, nestes campos, falta uma visão clara aos democratas, tal como coragem política para romper com o statu quo (e, necessariamente, coragem e vontade para afrontar os lóbies desses sectores).
Soam patéticos os lamentos sobre grupos de eleitores. Biden em nada ajudou.
O Partido Democrata tem optado por candidatos profundamente institucionais. Obama, Clinton, Biden... políticos centristas para tempos de crescente ódio e ressentimento ao sistema. No outro lado, um magnata-celebridade a braços com a justiça, envolvido num rol de escândalos, que nega os resultados de 2020 e incitou uma invasão ao Capitólio conquista um segundo mandato.
A América e o mundo não acabam com a eleição de Trump, mas tão pouco permanecem iguais. A forma de fazer política alterou-se, tendo também inspirado uma pletora de trumps não-americanos. Mais tensão social, mais violência política, menos apego aos valores e processos democráticos... Nova possibilidade de nomear juízes para o Supremo Tribunal, órgão que transforma o país, como se viu, por exemplo, nas decisões de revogar o direito constitucional ao aborto e de expandir a imunidade presidencial.
Veremos o que acontecerá à Ucrânia.