Ex-Presidente dos EUA e candidato à Casa Branca tem acumulado desempenhos desnorteados nos últimos comícios e intervenções públicas. E voltou a não se comprometer com transferência pacífica de poder.
www.publico.pt
Errático Trump: ameaças sombrias, insultos pessoais e alguns passos de dança
Marianne LeVine, Maeve Reston, Meryl Kornfield
Donald Trump esteve
online depois da meia-noite de terça-feira para se gabar de ter arrasado nos exames cognitivos que nunca realizou e do seu colesterol, e depois disse, de forma enganadora, que as alergias da vice-presidente Kamala Harris são uma “situação perigosa”. Por volta do meio-dia, estava a divagar numa entrevista durante a qual não disse de forma clara se vai respeitar uma
transferência pacífica de poder depois das eleições e, mais tarde, queixou-se do facto de a Fox News ter um assessor de Harris no ar. Na noite anterior, tinha sido o anfitrião de uma reunião municipal invulgar (“Foi espantoso!”), que começou com respostas longas a perguntas amigáveis e terminou com ele a balançar-se e a dançar ao som de uma música durante 39 minutos.
A três semanas do dia das eleições [presidenciais dos Estados Unidos], Trump está a levar a cabo uma campanha
pouco ortodoxa e descontraída, dirigindo ameaças e insultos a uma grande variedade de pessoas e instituições, viajando para estados democratas onde os analistas não o consideram competitivo e brandindo uma retórica sombria sobre imigrantes sem documentos e ataques pessoais a Harris em eventos de campanha onde, muitas vezes, se desvia do guião e troca as palavras.
Recentemente, o candidato presidencial republicano organizou um comício na Califórnia, onde sugeriu que uma pessoa que estava a fazer barulho ia “levar uma tareia” mais tarde; num evento no Colorado, promoveu falsidades sobre a tomada de prédios residenciais por gangues venezuelanos; durante uma entrevista televisiva, descreveu alguns americanos como “o inimigo interno”, sugerindo que os militares fossem destacados contra eles; e insultou repetidamente a inteligência de Harris.
Segundo os democratas e outros críticos do ex-Presidente, as explosões e a hostilidade de Trump são a prova de que não deve regressar à Casa Branca. Alguns republicanos dizem que deveria passar mais tempo a concentrar-se em áreas políticas onde as sondagens mostram que tem vantagem e menos tempo nas suas queixas, obsessões e palhaçadas.
“Acho que ele deve fazer propostas que se afastem da sua personalidade e apelar às pessoas que podem não gostar de si, mas que gostam das suas políticas”, sugere Marc Short, que foi chefe de gabinete do ex-vice-presidente Mike Pence. “Se estiver a comentar outras coisas, acredito que poderá lembrar os eleitores mais relutantes porque é que têm dúvidas sobre ele.”
Ao mesmo tempo, Trump construiu uma base considerável e fiel de apoiantes que têm aplaudido o seu comportamento de violação das regras e, embora o efeito eleitoral cumulativo das suas acções só seja conhecido no próximo mês, está a correr lado a lado com Harris.
“Acho que as elites têm de tirar o pau que têm enfiado no c*, não têm sentido de humor”, justificou David Carney, um estratega de longa data do Partido Republicano que dirige um grupo pró-Trump.
Corrida renhida
De acordo com uma análise das
sondagens conhecidas e das entrevistas com estrategas de ambos os partidos, a corrida está renhida.
Quando substituiu o Presidente, Joe Biden, como nomeada democrata, no Verão, o ímpeto inicial de Harris entusiasmou muitos membros do seu partido, mas agora alguns estão mais apreensivos com as sondagens, que mostram disputas apertadas nos estados decisivos.
A equipa de Harris tem passado as últimas semanas da campanha a intensificar os esforços para retratar Trump como uma figura perigosa que vai pôr os americanos em risco, já que ameaça prender opositores e usar as Forças Armadas para atingir alguns dos seus críticos.
As tentativas de Biden de pintar Trump como uma ameaça à democracia, no início da competição, pouco contribuíram para travar a posição do ex-Presidente na corrida. Harris está agora a tentar argumentar de forma mais incisiva que um segundo mandato de Trump seria “perigoso” e “um enorme risco para a América”, uma vez que ele promete usar os poderes do Governo para servir os seus próprios interesses.
Os conselheiros da campanha de Harris, incluindo David Plouffe, notaram que muitos americanos já não vêem Trump sem filtros desde que os meios noticiosos deixaram de transmitir os seus comícios em directo. Por isso, estão a tomar a iniciativa de levar essas cenas directamente ao público, incluindo em ecrãs gigantes, como fizeram num comício realizado na segunda-feira em Erie, no estado da Pensilvânia.
Durante esse evento, Harris disse que Trump está “cada vez mais instável e desequilibrado”, e argumentou que o que está em jogo nesta eleição é muito maior do que quando Trump concorreu em 2016 ou em 2020, porque o Supremo Tribunal decretou que os presidentes têm ampla
imunidade quando realizam “actos oficiais”.
Outras figuras democratas reforçaram este argumento. “Há pessoas que gostam que o seu candidato seja forte e pareça que está no comando”, disse o senador Brian Schatz, do Havai. Referindo-se a Trump, acrescentou: “Este tipo parece que é o último a sair do bar de
karaoke. Passou de durão a um idoso que diz coisas de forma aleatória.”
Brian Hughes, porta-voz da campanha de Trump, defendeu, no entanto, as decisões e os comentários do candidato e apontou os comícios, as entrevistas e as mesas-redondas em que participou como provas da sua “saúde, sabedoria e força”. (Trump, de 78 anos, não divulgou os seus relatórios médicos desde que entrou na corrida; Harris, de 59, divulgou recentemente os seus.)
“O que chamam ‘pouco ortodoxo’ é um homem que se está a candidatar à presidência que fala sem ambiguidade das esperanças e dos sonhos dos americanos”, disse Hughes, num comunicado. “Também fala, sem rodeios e de forma certeira sobre os falhanços terríveis de Kamala Harris e sobre as suas políticas perigosamente liberais, que põem a nação em perigo.”
Falsidades, do Capitólio a Gaza
Falando no Clube Económico de Chicago na terça-feira, Trump não afirmou directamente se permitirá uma transferência pacífica de poder após as eleições e afirmou, falsamente, que houve uma “transferência pacífica de poder” em 2021.
Pressionado a falar sobre o que vai fazer em 2025, Trump sugeriu que o seu entrevistador, o editor-chefe da Bloomberg News, John Micklethwait, era tendencioso, afirmando que o jornalista “não era um grande fã de Trump” e dizendo que tinha reflectido sobre se deveria ter aceitado fazer a entrevista.
Também afirmou, falsamente, que, à excepção da sua apoiante Ashli Babbitt, ninguém morreu como resultado da invasão violenta ao Capitólio dos EUA, a 6 de Janeiro de 2021, e que ninguém que foi ao Capitólio nesse dia tinha uma arma. Babbitt foi uma das cinco pessoas que, segundo as autoridades,
morreram em consequência dos motins. Várias pessoas foram acusadas de porte de armas e outras armas.
Trump fez ameaças e insultos a uma série de pessoas durante a última semana, pedido a revogação dos direitos de transmissão da CBS por causa de uma entrevista de Harris ao programa
60 Minutos e atacando Whoopi Goldberg e Sunny Hostin, do programa
The View, da ABC.
Na semana passada, o ex-Presidente pareceu sugerir que esteve na Faixa de Gaza, embora não existam provas de tal visita. Quando questionado sobre as suas declarações, um funcionário da campanha que falou sob condição de anonimato para discutir livremente as suas ideias disse que Trump visitou Israel. (Gaza não fica em Israel.)
Durante muito tempo, Trump orientou as suas acções para uma base que lhe é fiel, ainda que limitada, de apoiantes entusiastas e de meios de comunicação social alinhados com ele. Os seus comentários sobre Gaza, por exemplo, ganharam muito menos força nos meios de comunicação social que, tradicionalmente, lhe têm dado uma cobertura mais favorável.
Nos próximos dias, deslocar-se-á até ao Michigan e
regressará à Pensilvânia pela segunda vez. Na semana passada, quando fez campanha em Detroit, insultou a cidade. “Todo o nosso país acabará por ser como Detroit se ela for a Presidente”, atirou, referindo-se a Harris. “Vão ter uma confusão nas vossas mãos.” A campanha de Trump esclareceu que as suas políticas trariam mais sucesso económico à cidade.
A sua campanha também agendou um comício para o dia 27 de Outubro no Madison Square Garden, em Nova Iorque, num estado que não parece estar em jogo. Embora os analistas não-alinhados com nenhum partido digam que Trump não tem praticamente nenhuma hipótese de ganhar em Nova Iorque, os estrategas do Partido Republicano olham para as suas visitas aos estados “azuis” (democratas) como uma forma de chegar aos mercados dos meios de comunicação social e de ajudar os republicanos nos distritos de congressistas de Nova Iorque e da Califórnia.
Anna Kelly, porta-voz do Comité Nacional Republicano, descreveu as visitas como uma forma de Trump mostrar que “será um Presidente para todos os americanos, incluindo os dos estados tradicionalmente ‘azuis’ que Kamala Harris e os democratas deixaram para trás”.
Enquanto os dois partidos tentam moldar a opinião das pessoas sobre Trump na recta final, a grande maioria dos eleitores já tem uma opinião consolidada sobre ele. O ex-senador Judd Gregg, de New Hampshire, um republicano que não votou em Trump, diz que os eleitores vêem Trump como um “indivíduo imprevisível” que “diz coisas que por vezes são falsas e muitas vezes imprecisas”.
“É um facto aceite da sua personalidade”, considera Gregg. “As pessoas que gostam dele por outras razões vão votar nele e as pessoas que não gostam dele por causa disso não vão votar nele.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post