Abro este tópico para colocarmos artigos sobre a grandiosa cidade do Porto, tudo o que queiram colocar que nos encha de orgulho! Começo por este artigo que li no JN:
Ao Porto
Valter Hugo Mãe
18 Agosto 2019 às 00:02
Entendo bem porque Dom Pedro, o primeiro do Brasil, à inauguração daquele maravilhoso país, quis de qualquer modo deixar o coração no Porto, cidade intrincada que se ama apenas por maturidade. Não é para paixões inconsequentes, o Porto é uma disciplina, uma localização espiritual que se reconhece sobretudo no mapa da resiliência.
Julgo que aprendi a amar o Porto pela robustez do casario. Vinha de olhos cheios com as minhas terras de Guimarães, onde passávamos sobretudo pela aldeia, as pessoas esparsas, uma rarefação maior, e encontrava nos Aliados a monumentalidade da pedra, a declinação em direção ao rio onde a pedra é uma ideia contínua. Eu via um povo contínuo. Gente junta como a fazer força, a erguer uma cidadania preparada para qualquer ataque.
Diziam-me que era a cidade Invicta, a que nunca sucumbiu. E o meu pai explicava sempre que o fascismo começou a cair ali, e que a consciência elementar do bem e do mal se apurava muito mais naquele lugar, na cidade monumental do trabalho. Mostrava os braços. O meu pai foi longamente um administrativo, mas mostrava os braços porque a palavra trabalho esplendorava quando implicava o dispêndio físico. O Porto, eu via pelas pedras habitadas, era uma ideia conquistada a certo milagre físico. Não se entende sem assombro e sem sombra.
Lembro bem da idade em que comecei a ir de comboio sozinho às livrarias e às lojas de discos na Cedofeita e nas imediações do Rivoli. Erguia a cabeça como um portuense orgulhoso, mesma carne daquela antiquíssima equação. Eu lembro do entardecer, quando o povo eminentemente proletário recolhia e o intrincado das ruas deitava fantasmagorias sobre a minha solidão. Pouca coisa enriqueceu o meu imaginário mais do que isso. Essa insinuação de gente no bulício quase nenhum que me pareceu invariavelmente coisa de inverno. Uma estranheza de sentir prazer ao demorar ali, demorar no entardecer, chegar à noite com o frio, um pouco de vento, o silêncio profundo.
Em algumas alturas, como agora, vou deitar os olhos pelo promontório da Sé e espio só como é obrigatoriamente brava a vida naquele lugar. Seguimos meditando naquelas pedras, fugazes na sua eterna memória, na sua paciente resistência. O Porto permanece feito para amores maduros. Entrega-se devagar, talvez se entregue nunca. Num frasco de vidro ou num poema, sei bem que também eu lhe deixarei, inevitavelmente, o coração. Sinto pelos braços um leve sobressalto. Pudesse o poema levantar as pedras, ser físico, valer à cidade como quem nela trabalhou.
https://www.jn.pt/opiniao/valter-hugo-mae/amp/ao-porto-11217256.html
Ao Porto
Valter Hugo Mãe
18 Agosto 2019 às 00:02
Entendo bem porque Dom Pedro, o primeiro do Brasil, à inauguração daquele maravilhoso país, quis de qualquer modo deixar o coração no Porto, cidade intrincada que se ama apenas por maturidade. Não é para paixões inconsequentes, o Porto é uma disciplina, uma localização espiritual que se reconhece sobretudo no mapa da resiliência.
Julgo que aprendi a amar o Porto pela robustez do casario. Vinha de olhos cheios com as minhas terras de Guimarães, onde passávamos sobretudo pela aldeia, as pessoas esparsas, uma rarefação maior, e encontrava nos Aliados a monumentalidade da pedra, a declinação em direção ao rio onde a pedra é uma ideia contínua. Eu via um povo contínuo. Gente junta como a fazer força, a erguer uma cidadania preparada para qualquer ataque.
Diziam-me que era a cidade Invicta, a que nunca sucumbiu. E o meu pai explicava sempre que o fascismo começou a cair ali, e que a consciência elementar do bem e do mal se apurava muito mais naquele lugar, na cidade monumental do trabalho. Mostrava os braços. O meu pai foi longamente um administrativo, mas mostrava os braços porque a palavra trabalho esplendorava quando implicava o dispêndio físico. O Porto, eu via pelas pedras habitadas, era uma ideia conquistada a certo milagre físico. Não se entende sem assombro e sem sombra.
Lembro bem da idade em que comecei a ir de comboio sozinho às livrarias e às lojas de discos na Cedofeita e nas imediações do Rivoli. Erguia a cabeça como um portuense orgulhoso, mesma carne daquela antiquíssima equação. Eu lembro do entardecer, quando o povo eminentemente proletário recolhia e o intrincado das ruas deitava fantasmagorias sobre a minha solidão. Pouca coisa enriqueceu o meu imaginário mais do que isso. Essa insinuação de gente no bulício quase nenhum que me pareceu invariavelmente coisa de inverno. Uma estranheza de sentir prazer ao demorar ali, demorar no entardecer, chegar à noite com o frio, um pouco de vento, o silêncio profundo.
Em algumas alturas, como agora, vou deitar os olhos pelo promontório da Sé e espio só como é obrigatoriamente brava a vida naquele lugar. Seguimos meditando naquelas pedras, fugazes na sua eterna memória, na sua paciente resistência. O Porto permanece feito para amores maduros. Entrega-se devagar, talvez se entregue nunca. Num frasco de vidro ou num poema, sei bem que também eu lhe deixarei, inevitavelmente, o coração. Sinto pelos braços um leve sobressalto. Pudesse o poema levantar as pedras, ser físico, valer à cidade como quem nela trabalhou.
https://www.jn.pt/opiniao/valter-hugo-mae/amp/ao-porto-11217256.html