Artigo completo da Revista Sábado
FC Porto: O esquema dos bilhetes que enriqueceu o líder dos Super Dragões
Os Super Dragões usavam as Casas do FC Porto para angariar bilhetes que vendiam no mercado negro e o chefe da claque é suspeito de ter enriquecido com esta receita ilícita. Fernando Madureira está também implicado nas intimidações e agressões aos sócios.
O ambiente já estava hostil quando o sócio Henrique Ramos subiu ao palanque do Dragão Arena para proferir a sua intervenção na Assembleia Geral (AG) do FC Porto, realizada na noite de 13 de novembro do ano passado. Membros da claque Super Dragões (SD) ameaçavam e insultavam nas bancadas todos aqueles que insinuassem apoio a André Villas-Boas, que então já manifestara a sua intenção de se candidatar à presidência do clube contra a atual direção encabeçada por Jorge Nuno Pinto da Costa: "És Villas-Boas, desaparece daqui senão levas mais", "vocês vão morrer" e "vão todos levar nos cornos, seus filhos da puta", foram algumas das frases que procuradores do Ministério Público (MP), presentes no recinto, apontaram para futuras diligências.
Ramos nem sequer é apoiante de Villas-Boas. Referiu no seu discurso a existência de Casas do FC Porto sem sede física, algo proibido pelos estatutos da instituição, mostrando-se crítico em relação à revisão estatutária proposta pelo Conselho Superior dos "dragões". Um plano que a direção pretendia submeter a sufrágio naquela noite e que incluía, entre outros pontos polémicos, a possibilidade de votar nas Casas do clube já nas próximas eleições. Embora sem intenção, foi como se tivesse atirado um fósforo aceso para uma lata de gasolina: o líder dos SD, Fernando Madureira, conhecido por Macaco, e outros elementos da claque começaram a agredir sócios, e o próprio orador, ao regressar ao seu lugar, foi empurrado e pontapeado. A AG foi suspensa e a direção deixou cair a revisão dos estatutos. A noite foi considerada a mais triste dos 130 anos de história do clube.
Dois meses e meio depois, a 31 de janeiro, a "Operação Pretoriano", executada pelo MP e pela Polícia de Segurança Pública (PSP), levou à detenção de 12 suspeitos, incluindo "Macaco" e a sua mulher, Sandra, o Oficial de Ligação aos Adeptos (OLA) Fernando Saúl, o conhecido adepto Vítor "Catão" Silva e outros influentes homens da claque portista. As buscas realizadas pelas autoridades resultaram na apreensão de 50 mil euros em dinheiro, uma arma de fogo, cocaína e haxixe, mais de uma centena de bilhetes para partidas do FC Porto e três carros topo de gama (um Porsche e dois BMW), pertencentes ao líder dos Super Dragões. As autoridades acreditam que o administrador Adelino Caldeira combinou com Fernando Saúl, Madureira e a sua mulher, vice-presidente da claque, calar vozes da oposição a Pinto da Costa. "Definiram o que deveria ser posto em prática para que lograssem a aprovação da alteração de estatutos em benefício de todos os envolvidos e sem perda de regalias, designadamente vendo garantidos os seus ganhos tirados da bilhética para os jogos de futebol", explica o MP no auto de indiciação.
A SÁBADO fez um levantamento da situação das Casas do FC Porto para tentar perceber o que levou os suspeitos a perderem as estribeiras após a intervenção de Henrique Ramos. Acabou por descobrir um esquema em que as representações locais do clube eram usadas para introduzir mais bilhetes no mercado negro, em benefício dos suspeitos. "Para além de não respeitarem os estatutos do clube, as casas citadas [sem sede física] são, juntamente com outras que até os respeitam, instrumentalizadas há décadas em prol de um esquema que procura controlar os circuitos de influência internos", diz à SÁBADO Henrique Ramos, o sócio que se debruçou sobre o assunto e que alega que os interesses vão para além da bilhética.
"É muitíssimo mais profundo do que isso. Envolve gente desde funcionários do clube a colaboradores da SAD, dos menos aos mais graduados. Por esse motivo, se calhar convém atirar para a claque e também instrumentalizar a mesma para ajudar a manter este status quo. Essa sempre foi a estratégia por detrás deste esquema, de quem tem uma cara na administração da SAD do FC Porto há várias décadas". As autoridades acreditam que essa cara é a de Adelino Caldeira, um dos dirigentes mais próximos de Pinto da Costa, que já desmentiu em comunicado qualquer envolvimento nos acontecimentos sob investigação.
Das 84 Casas em território nacional listadas pelo FC Porto no seu site, cerca de uma dezena tem a morada registada em locais inapropriados – como lojas de estampagens, de impressoras e de ótica –, e 22 não têm sede física. Entre as últimas, apenas três deram sinais de vida quando contatadas pela SÁBADO, embora haja mais com atividade nas redes sociais. "É-nos aprovado um certo número de bilhetes para os jogos no Estádio do Dragão e, quando os vamos levantar, recebemos significativamente menos da parte do OLA Fernando Saúl, que é quem gere a distribuição", diz o presidente de uma das Casas, no distrito de Aveiro, que prefere não revelar o nome por receio de retaliações. "Depois esses bilhetes são vendidos à porta do estádio pela claque".
Essa mesma acusação fica patente na resposta por mensagem de um representante de uma Casa, a que a SÁBADO teve acesso, a uma questão sobre bilhética feita por um sócio: "Já este ano esse Fernando Saúl andou a tirar bilhetes à Casa para dar aos amigos dele para vender", lê-se. "Guimarães-Porto já desta época, esse filho da puta, que não tem outro nome, a vender 150 bilhetes […] mais reuniões, ainda mais queixas, vai dar sempre ao mesmo".
Um antigo elemento dos Super Dragões – também em anonimato, por receio de represálias - explica pormenorizadamente como funciona o esquema: "A claque recebe bilhetes do clube, mas, como quer mais, retém todos os que consegue, inclusivamente os destinados às Casas, tanto as fictícias como as reais. O Saúl, que é controlado pelo Caldeira, fica com eles e distribui-os pelos ‘candongueiros’, que são os elementos da claque encarregues de os venderem nos dias anteriores e à porta do estádio", diz. "Todos ficam a ganhar, desde os ‘candongueiros’ aos dirigentes do clube que permitem o esquema, passando pelo ‘Macaco’. É um negócio muito lucrativo".
Tão lucrativo que as autoridades acreditam estar por detrás do interesse da cúpula dos Super Dragões em manter Pinto da Costa na presidência, apreendendo os veículos topos de gama de Madureira por suspeita de terem sido adquiridos com recurso a esta receita ilícita. "Macaco" e a sua mulher declaram rendimentos de 2000 euros mensais, mas estão a construir uma casa em Canidelo, V. N. Gaia, no valor estimado de dois milhões de euros. Várias fontes denunciam ainda o estilo de vida faustoso do OLA Fernando Saúl, que publica frequentemente fotografias nas suas redes "em hotéis de cinco estrelas em Ibiza e nas ilhas gregas".
O FC Porto pode mesmo ser o principal prejudicado. "O Sporting faturou no ano passado cerca de 19,6 milhões de euros a título de bilheteira. O FC Porto vai faturar cerca de 12M. Uma diferença de quase 8M. O FC Porto teve, no ano passado, uma média de 41.380 espetadores nos jogos em casa, enquanto o Sporting teve 29.292", diz o advogado Tiago Silva, sócio do FC Porto apoiante de André Villas-Boas. "Isto não tem a ver com o preço dos bilhetes. São elevadas quantias que se perdem e era importante que alguém da direção as viesse explicar".
A SÁBADO pediu explicações ao FC Porto, bem como a Fernando Madureira e a Fernando Saúl, através dos seus advogados, mas até ao fecho da edição não recebeu respostas.
Bilhetes para a candonga
O problema da bilhética está identificado há vários anos pelos dirigentes das Casas. José Rola, da Casa da Afurada, diz que não é por falta de conhecimento que a direção não atua: "Já fizemos queixas por escrito, tivemos reuniões com o Vítor Baía e com o Alípio Jorge [responsável do FC Porto pelas Casas], e eles empurram o problema uns para os outros e ninguém resolve nada". Já Hugo Reis, presidente da Casa de Felgueiras, diz sentir que o FC Porto "anda mais organizado e mais justo na distribuição de bilhetes pelas Casas que mantêm uma média mais estável de comparências aos jogos", mas sublinha que "há muitas Casas que não têm espaço físico e têm acesso aos ingressos". "Há Casas que têm uma pessoa e que pedem mais bilhetes, distribuídos depois para a ‘candonga’ a troco de cinco ou dez euros", afirma.
Aquando da mobilização da claque para a fatídica AG – que o MP acredita ter sido premeditada para coagir opositores de Pinto da Costa –, Madureira também agitou a questão da bilhética. Dirigiu-se aos chefes dos núcleos do grupo e ameaçou não dar bilhetes a quem não comparecesse e trouxesse um número significativo de subordinados. "Quem domina os bilhetes, domina a claque" diz o antigo membro dos SD. "No FC Porto, o número de bilhetes para a claque tem vindo a aumentar, 3, 4 ou 5 mil por partida, e esse poder está centralizado no líder. Ele fornece os bilhetes a quem entende. As pessoas depois ficam a dever-lhe favores".
O presidente Pinto da Costa tem reconhecido, em várias entrevistas, ser amigo do casal Madureira, embora rejeitando "intimidade". No entanto, o chefe dos SD disse, em entrevista à SÁBADO, ter passado Natais em casa do homem que dirige o clube há 41 anos. Vários dirigentes portistas já alertaram Pinto da Costa para os perigos da associação ao líder da "curva", alguns vêem-no mesmo como "sensível à bajulação". "Dentro do clube, a perspetiva é que os SD têm sido um problema. Para quem tem ambição de crescimento empresarial, de construir uma marca, a constante associação a episódios de violência é um erro". diz José Manuel Ribeiro, antigo diretor do jornal O Jogo.
Porém, Pinto da Costa coloca a sua amizade com "Macaco" à frente da opinião dos administradores: Um antigo chefe do Porto Canal afirma mesmo que, enquanto lá trabalhou, "a porta do gabinete do presidente estava sempre aberta para Madureira e para a sua mulher".
Com a porta aberta para a administração do clube, "Macaco" usa todos os meios para segurar Pinto da Costa na presidência. Na noite de 22 de novembro, a casa de Villas-Boas foi vandalizada com a inscrição da palavra "traidor" e o segurança do condomínio agredido; o principal suspeito, Hugo Loureiro, é membro dos SD e um dos detidos da "Operação Pretoriano". O Correio da Manhã avança mesmo que as autoridades estão a investigar a contratação de um assassino para aniquilar o oficial da PSP encarregue do escrutínio dos incidentes na AG. Segundo o diário, o mercenário ter-se-á arrependido e denunciado o plano à polícia.
Ameças e clima de medo
Nas redes sociais, sucedem-se as ameaças; o clima de medo é tão denso que só uma minoria das quase duas dezenas de fontes contactadas optou por revelar a identidade. Um dos casos mais preocupantes é o do autor da página Porto on Tour, o canal afeto ao FC Porto mais visitado pelos apoiantes de Villas-Boas. A página tem denunciado várias suspeitas de crimes e de gestão danosa por parte da atual direção e, consequentemente, tornou-se um dos alvos prioritários de "Macaco".
O responsável pela página tenta ao máximo proteger a sua identidade e acedeu a comunicar com a SÁBADO apenas por email: "Aquando da primeira AG, fui das páginas que mais apelou à mobilização e nesses dias recebi várias mensagens de membros dos SD a pedirem para ter cuidado, pois as ordens que circulavam eram que iam fazer de tudo para me sinalizarem", diz. "De então para cá, são cada vez mais recorrentes as tentativas de entrar nas minhas contas na Internet, redes sociais, email, Google, e os perfis que tenho de bloquear, pois não param de me insultar e ameaçar".
Em comunicações dos chats dos SD a que a SÁBADO acedeu, membros da claque enumeram pistas sobre a sua morada, IP e gostos pessoais, de modo a tentarem identificá-lo. "Sabemos que Porto on Tour tem ligação com Famalicão, ou pelo menos a sua ligação teria um IP de lá, também trabalha na Caixiave Group, empresa de Famalicão", lê-se. Depois do ataque à casa de Villas-Boas, convenceram-se de que se tratava de João Queiroz, filho do jornalista Manuel Queiroz e antigo funcionário do clube, que depois de ter sido interpelado pelos meliantes pediu ao verdadeiro autor do Porto on Tour para desmentir o boato. O verdadeiro visado está cada vez mais preocupado com a sua segurança, embora não tenha apresentado queixa à polícia. Chegou inclusivamente a receber ameaças das contas de Fernando e Sandra Madureira: "Quando te encontrar num jogo vais engolir os dentes", escreveu o líder da claque. Um tom sintonizado com o da sua mulher: "Oh filho da puta, vou-te arrancar a cabeça".
Fernando Madureira
Em novembro de 2016, referia à SÁBADO: “Dizem que sou o chefe dos bandidos. Somos uma microssociedade, e o que existe na sociedade existe na claque: há toxicodependentes, traficantes, assaltantes, como também há médicos e advogados. Há pessoas boas e pessoas más”
O dinheiro dos bilhetes
Madureira e a mulher declaram rendimentos de €2.000 mensais, mas estão a construir uma casa em Canidelo (Gaia), no valor estimado de €2 milhões. Várias fontes denunciam ainda o estilo de vida faustoso do OLA Fernando Saul, que publica frequentemente fotos nas suas redes “em hotéis de cinco estrelas em Ibiza e nas ilhas gregas”.
Abraço
Ao apresentar a recandidatura, Pinto da Costa enviou “um abraço” a Fernando Madureira e à mulher, porque “os amigos são para as ocasiões”.