texto da autoria de Daniel Oliveira
Grozni-Alepo-Mariupol. Sempre o mesmo Putin.
O programa de privatizações da década de 1990 e reformas económicas que favoreceram a corrupção conduziram a Rússia ao default da sua dívida soberana em 1998. A crise económica e social que se seguiu; o desafio de várias regiões da Rússia ao poder federal; e a adesão da República Checa, Hungria e Polónia à NATO, ficando claro que a mudança de regime era percecionada pelos outros como uma derrota dos russos que levaria ao seu confinamento e não como uma vitória que lhe daria um lugar relevante no sistema político-militar global, criaram o ambiente ideal para o nacionalismo. A Rússia pós-URSS estava no seu ponto mais fraco e a nostalgia pela estabilidade soviética no auge. É este o contexto da ascensão de um ex-coronel do KGB desconhecido do grande público a primeiro-ministro do presidente Ieltsin. É nomeado em Agosto de 1999 e logo aí anuncia, com sondagens na casa dos 4%, que será candidato às eleições presidenciais. A segurança interna e a coesão da Rússia eram as suas prioridades. Menos de um mês depois de chegar ao poder, atentados em zonas residenciais de Moscovo e mais duas cidades russas mataram mais de 300 pessoas. Putin foi rápido a responsabilizar os terroristas chechemos e invadiu a região separatista. Grozni é tomada em fevereiro de 2000, quando já nada restava. Foi considerada pela ONU a cidade mais destruída do mundo. Vitorioso, num país marcado pela crise económica e sedento de recuperar a glória do passado imperial, Putin ganhou as presidenciais com 53%, seis meses depois do início da “operação antiterrorista”. A coincidência temporal das bombas com a carreira política do ex-KGB sempre levantou dúvidas, reforçadas quando, em setembro de 1999, dois oficiais da FBS foram detidos ao tentar detonar um engenho explosivo numa zona residencial de Ryazan e depois foram soltos. Em 2004, 32 terroristas fizeram mais de mil reféns numa escola em Beslan, na Ossétia do Norte. A crise terminou com um ataque das forças especiais e 326 mortos, incluindo 159 crianças. Este ataque surge depois de vários atentados terroristas reivindicados pelo checheno Shamil Basayev. Beslan mudou a o sentimento da população e Putin aproveitou para centralizar ainda mais o poder. Em 2015, Putin responde a um pedido de ajuda do presidente Bashar Assad, que estava quase a perder o controlo da Síria. A violência da ofensiva russa, atacando indiscriminadamente hospitais, cidades e bairros residenciais, viraram a guerra. As forças russas bombardearam incessantemente Alepo, entre setembro e outubro de 2016, com o recurso a bombas de fragmentação. Alepo, tal como Grozni, foi arrasada. O mesmo tipo de bombardeamento, desta vez pela artilharia pesada, estão agora a ser usadas nas cidades de Kharkiv e Mariupol, com os mesmos efeitos de horror – até o ataque a hospitais se repete. Não sei se a boa consciência ocidental está preparada para ver Grozni ou Alepo em Kiev. Sei que quando Putin o fez na Chechénia e na Síria, só alguns o foram denunciando. Era contra muçulmanos, islamistas e terroristas, o lado de lá das nossas guerras de então. É que o discurso da guerra perpétua contra os inimigos do “nosso modo de vida” é um pronto-a-vestir que também serviu a Putin. Se é louco, já o era.
Grozni-Alepo-Mariupol. Sempre o mesmo Putin.
O programa de privatizações da década de 1990 e reformas económicas que favoreceram a corrupção conduziram a Rússia ao default da sua dívida soberana em 1998. A crise económica e social que se seguiu; o desafio de várias regiões da Rússia ao poder federal; e a adesão da República Checa, Hungria e Polónia à NATO, ficando claro que a mudança de regime era percecionada pelos outros como uma derrota dos russos que levaria ao seu confinamento e não como uma vitória que lhe daria um lugar relevante no sistema político-militar global, criaram o ambiente ideal para o nacionalismo. A Rússia pós-URSS estava no seu ponto mais fraco e a nostalgia pela estabilidade soviética no auge. É este o contexto da ascensão de um ex-coronel do KGB desconhecido do grande público a primeiro-ministro do presidente Ieltsin. É nomeado em Agosto de 1999 e logo aí anuncia, com sondagens na casa dos 4%, que será candidato às eleições presidenciais. A segurança interna e a coesão da Rússia eram as suas prioridades. Menos de um mês depois de chegar ao poder, atentados em zonas residenciais de Moscovo e mais duas cidades russas mataram mais de 300 pessoas. Putin foi rápido a responsabilizar os terroristas chechemos e invadiu a região separatista. Grozni é tomada em fevereiro de 2000, quando já nada restava. Foi considerada pela ONU a cidade mais destruída do mundo. Vitorioso, num país marcado pela crise económica e sedento de recuperar a glória do passado imperial, Putin ganhou as presidenciais com 53%, seis meses depois do início da “operação antiterrorista”. A coincidência temporal das bombas com a carreira política do ex-KGB sempre levantou dúvidas, reforçadas quando, em setembro de 1999, dois oficiais da FBS foram detidos ao tentar detonar um engenho explosivo numa zona residencial de Ryazan e depois foram soltos. Em 2004, 32 terroristas fizeram mais de mil reféns numa escola em Beslan, na Ossétia do Norte. A crise terminou com um ataque das forças especiais e 326 mortos, incluindo 159 crianças. Este ataque surge depois de vários atentados terroristas reivindicados pelo checheno Shamil Basayev. Beslan mudou a o sentimento da população e Putin aproveitou para centralizar ainda mais o poder. Em 2015, Putin responde a um pedido de ajuda do presidente Bashar Assad, que estava quase a perder o controlo da Síria. A violência da ofensiva russa, atacando indiscriminadamente hospitais, cidades e bairros residenciais, viraram a guerra. As forças russas bombardearam incessantemente Alepo, entre setembro e outubro de 2016, com o recurso a bombas de fragmentação. Alepo, tal como Grozni, foi arrasada. O mesmo tipo de bombardeamento, desta vez pela artilharia pesada, estão agora a ser usadas nas cidades de Kharkiv e Mariupol, com os mesmos efeitos de horror – até o ataque a hospitais se repete. Não sei se a boa consciência ocidental está preparada para ver Grozni ou Alepo em Kiev. Sei que quando Putin o fez na Chechénia e na Síria, só alguns o foram denunciando. Era contra muçulmanos, islamistas e terroristas, o lado de lá das nossas guerras de então. É que o discurso da guerra perpétua contra os inimigos do “nosso modo de vida” é um pronto-a-vestir que também serviu a Putin. Se é louco, já o era.