Sérgio Conceição foi o convidado de Fátima Campos Ferreira no programa “primeira pessoa”, da RTP.
Com o rio Douro como pano de fundo, o técnico começou por falar sobre o feitio ímpar que o caracteriza. Senhor de “cenho franzido”, como a jornalista apontou, Sérgio Conceição afirmou ser “de sorriso fácil”. “Sou uma pessoa que está amarrada a muitas coisas que aconteceram na minha vida, mas sou uma pessoa extremamente feliz com a família e com a profissão que tenho”, salientou.
Primeiro dia no Porto: “Quando cheguei com 16 anos não estava assim. Estava um dia de verão, com sol, bonito. A primeira vez que cá vim foi jogar contra o FC Porto, pelos juniores da Académica, e mais tarde entendi que seria a cidade onde iria jogar nos juniores do FC Porto. E a partir daí começou a minha caminhada.”
Como tirar o ar carregado? “Não é difícil. Sou de riso fácil. É verdade que estou muito amarrado a muitas coisas que me aconteceram na minha vida, mas sou uma pessoa extremamente feliz com a família e a profissão que tenho.”
Expulsão em Paços: “Foi o olhar fulminante. Para uns é mau, mas a minha esposa diz que o olhar que faço é interessante. Fulminante foi o olhar de um treinador que perdeu um jogo e que estava extremamente aborrecido e frustrado com a situação. Não foi mais do que isso. Fui genuíno. Fui eu. Se nunca disse a um árbitro “vai-me à loja”? [risos] Disse coisas mais ligeiras e mais fortes também.”
Rotina na cidade: “A minha rotina é sair, muitas vezes às 6h30 da manhã, fazer a minha corrida matinal, passando muitas vezes aqui. Vou muitas vezes até ao Olival e mais do que uma vez por semana. Correr, corro todos os dias e é nesta zona da Ribeira que o faço com muito gosto. Passo por muita gente e ouço coisas engraçadas, algumas delas de incentivo. Ia numa das minhas corridas e, entretanto, vinha um senhor com o filho, percebeu que era eu, virou-se para trás e disse: “Ainda nos deve um campeonato”. Não é parabéns porque ganhámos dois em três, mas devo-lhe um campeonato que perdi. Muitos miúdos da Ribeira até vêm a correr atrás de mim, principalmente uns que dão uns mergulhos na ponte D. Luís. É algo tão próprio. Sinto-me como um filho da casa.”
Fé: “Lembro-me de ser pequeno e falar já com Jesus, de uma forma muito natural, como amigo. Pedir, peço pouco. Mas não tenho nenhuma vergonha em todos os dias me ajoelhar para rezar e agradecer no fim a Deus tudo o que continua a proporcionar a mim e à minha família. Deus é o melhor companheiro.”
Três golos à Alemanha no Europeu de 2000: “Foi um jogo de afirmação, porque não fiz os dois primeiros jogos como titular. Quando era chamado à Seleção diziam que eu era o 12.º jogador, ou seja, que estava próximo da titularidade, mas não titular. Era mais gordinho e nessa altura havia o Balizas, o João Fintas e havia o Mala. [risos] Era o mala exatamente por isso, porque a zona da mala era bem rechonchuda.”
Palavras de Humberto Coelho nesse jogo: “Compliquei-lhe um bocadinho a vida e teve que levar comigo. Foi uma sensação de satisfação mais por essa afirmação, do que propriamente o que se ia falar – e hoje ainda se fala desse jogo. Na altura não pensei muito nisso, pensei, sim, na grande felicidade de complicar a vida ao Humberto Coelho. Se o fulminei com os olhos? [risos] Naquele dia não, até porque fui titular. Mas noutros. Não era um jogador tão fácil de lidar.”
Mordaça no futebol: “Nunca fui muito agarrado a isso. Normalmente digo o que penso. Sou muito frontal. Não quer dizer que não tenha tido alguns dissabores por isso, mas não me arrependo das guerras que fiz. O que voava nos balneários em Itália? [risos] No final do treino tínhamos uma mesa de fruta e algumas vezes foi complicado. Mas ganhámos.”
Alimentação: “Eu sou guloso e há sempre uma guerra grande no frigorífico. Durante o dia não sou de grande exageros. À noite já é diferente, até porque tenho os meus filhos comigo e valorizo muito a hora da refeição, especialmente quando estamos todos juntos. Ninguém mexe no telemóvel à mesa. Se for Pinto da Costa a ligar? Isso é diferente. [risos] O meu está sempre com som exatamente por causa disso: do trabalho.”
Férias em miúdo: “Gostava de brincar com os outros miúdos, mas sentia a responsabilidade de ajudar com os meus pais com 12 ou 13 anos. Assentei cimento com o meu pai nas férias e mais tarde fiz feira com o meu primo em Condeixa, Soure… todas as terras próximas da minha. Foi um período que me desinibi em termos comunicacionais, porque era um miúdo tímido. O meu primeiro quis dobrar-me o ordenado quando vim para o FC Porto e era tentador, mas não aceitei porque queria jogar futebol.”
Morte do pai: “Lembro-me de chegar muito feliz a casa e o dia seguinte ao meu primeiro contrato com o FC Porto foi marcante, porque perdi o meu pai. São momentos muitos marcantes. Foram chamar-me ao café da aldeia, disseram-me que tinha tido um acidente e que estava mal. Correu da pior maneira e essa foi a maior dificuldade: perder uma pessoa que amo muito.”
Morte da mãe: “Dois anos depois perdi a minha mãe e estive quase para deixar de jogar futebol, para desistir. A minha mãe teve muitos problemas durante a sua vida, agudizados com a morte de um irmão meu com 12 anos, eu tinha quatro, e ela viveu em constante sofrimento, não só pela dificuldade da vida no sentido financeiro, mas também pela perda de um filho. Foi muito marcante para ela. Estes momentos foram muito marcantes na definição do meu caráter.”
Sentimento pelos pais: “Acho que os meus pais estão felizes comigo e com a minha vida. E isto não tem que ver com este mediatismo todo, estas conquistas de títulos. Tem que ver com a minha forma de ser e pelo amor que tenho por eles, por todos os dias me lembrar dele e lhes agradecer todo o esforço que fizeram por mim e pelos meus irmãos. É o reconhecimento diário e vivo com isso. Ainda não consegui a tranquilidade. Luto para a conseguir, mas este lado mais negro que está dentro de mim continuará até aos últimos dias da minha vida. É uma frustração sentir que os meus pais fisicamente não estão presentes e que mereciam, nem que fosse por um dia. Acho que conseguia eliminar este lado negro se tivesse apenas uma hora, um minuto, um dia com eles.”
A roda: “A roda é algo muito sentimental. Estarmos juntos, numa roda, abraçados, um sentimento único de coesão. Se um de nós tem uma prestação menos positiva ou um dia como eu tive contra a Alemanha, por exemplo, é um momento importante no final. É um momento de partilha de sucessos, insucessos e às vezes só de silêncio.”
Apelo à união na Taça da Liga: “Os adeptos fazem parte do clube e são uma parte muito importante na vida e falamos de adeptos exigentes e muito apaixonados. Foi um discurso também para dentro, para a estrutura, para que as tropas se juntassem e fossemos todos a remar para o mesmo lado. Inimigos dentro dos clubes? Por vezes até de uma forma inconsciente. O que acho que tenho que dizer para que no fim possamos estar mais próximos de ganhar, eu digo.”
Seleção: ” gosto de treinar. E não me vejo, para já, a treinar a Seleção. Ela está muito bem servida com um grande amigo meu, que é o Fernando Santos. Já tive algumas oportunidades de falar com ele e falta-lhe a adrenalina diária de ter que treinar.”
Foi treinado por Jorge Jesus: “Sim, no Felgueiras. Dentro do campo era forte, era um bom treinador, que tinha uma comunicação extremamente fácil para o jogador. Tive a felicidade de trabalhar com ele, evoluí bastante e no ano seguinte voltei ao FC Porto.”
Potenciar jogadores: “É agradável ouvir que os jogadores morrer por mim no campo, embora seja uma expressão um bocadinho forte. Os grupos que tenho à disposição bebem muito da minha mensagem, que tem que ver com capacidade de superação, resiliência e determinação. Se potenciar cada um deles ao máximo, a equipa ganha com isso; temos um grupo mais forte. Mas a todos os níveis: técnico, tático, físico e emocional. Faço questão de os conhecer bem, porque atrás de cada profissional há uma pessoa e uma história de vida. É mais fácil mexer com eles no momento certo, com o discurso correto, conhecendo a história deles.”
Limitação financeira pelo Fair Play: “Não é fácil trabalhar com essa garrote em termos financeiros, porque não podemos ter o mesmo mercado que outras equipas de outros campeonatos mais fortes têm. Ou seja, gastar dinheiro com jogadores que dão um nível à equipa diferente, principalmente na Europa.”
Pinto da Costa: “Vi Pinto da Costa pela primeira vez num jogo dos juniores. No meu início de carreira como jogador, lembro-me que bastava a presença do presidente, sem falar, para percebermos que tínhamos de mudar algo. Tínhamos a particularidade de o conhecer bem, o seu carisma e a sua forma de estar. É uma pessoa muito respeitada por toda a gente, não só no clube e na nossa cidade, mas também no futebol, porque é o mais titulado do mundo.”
Pinto da Costa fulmina com os olhos: “[risos] Ele é muito mais forte do que eu nesse sentido. Quando perco não olho para ninguém. Vou para casa e refugio-me em casa. No autocarro. O presidente tem a sensibilidade de perceber quando é necessário de ir com a equipa no autocarro ou com o motorista no seu carro particular…”
Atirar a toalha ao chão: “Não. Lugar à disposição? Ele está sempre à disposição do presidente. Da mesma forma que me contratou, no dia em que ele quiser que eu saia, esse contrato quebra-se no momento e não tem de pagar mais nada por isso.”
Ser presidente do FC Porto: “[risos] Não sou muito de fazer futurologia. Preocupo-me tanto em dar o máximo diariamente, em olhar para o que tenho de fazer hoje, para o que tenho de fazer no dia seguinte, em organizar bem o trabalho, e não é pouco, que não penso muito a médio ou longo prazo.”