Geral

Preso há um ano, Rui Pinto agarra-se ao bem mais precioso: os segredos dos discos trancados

A 22 de Março de 2019, Rui Pinto era informado das medidas de coacção, após ter sido extraditado da Hungria. Foi levado para o estabelecimento prisional anexo à sede da Polícia Judiciária, em Lisboa, onde permanece. Esta semana, Rui Pinto não teve direito à tradicional conversa com o pai, com quem tem uma relação especialmente próxima. Tal como os restantes reclusos no país, as visitas familiares foram suspensas, uma medida que serve para evitar a entrada da covid-19 nas prisões portuguesas.

Ao jornal o PÚBLICO – num artigo publicado este domingo – Francisco Teixeira da Mota, advogado do denunciante explicou o que: “O Rui tem falado connosco [advogados] todos os dias, tem direito a uma chamada de cinco minutos”. Ao contrário do que acontece com os familiares, as visitas presenciais dos advogados ainda são permitidas, mas devem restringir-se a casos de necessidade máxima, apurou o PÚBLICO junto da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais. “Sim, é duro para ele não ter a visita do pai”, admite o advogado.

O homem de 31 anos passou os primeiros tempos na prisão às voltas na cela, escrevendo apontamentos num bloco — que seria posteriormente apreendido pelas autoridades. Aos poucos, viu-se obrigado a adaptar-se à realidade na prisão, tentando manter-se concentrado no que lhe é mais valioso: a informação que possui e o facto de ser o único que tem a chave para a abrir. Armazenadas na sua mente estão as passwords de complexidade elevada, sem qualquer lógica, que dão acesso aos dez discos rígidos com milhões de documentos que nenhuma autoridade conseguiu ainda desencriptar. Para a Polícia Judiciária, existiam “fortes indícios” de que os discos serviriam de fonte de informação, mas esbarraram no sistema de encriptação. Foi um destes objectos, entregues ao advogado francês William Bourdon antes da detenção na Hungria, que deu origem às revelações que fi caram conhecidas como Luanda Leaks.

A pegada digital de Rui Pinto começa a ser traçada em 2013. Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto, o gaiense foi o único suspeito de um desvio de 264 mil euros de um banco das ilhas Caimão. O dinheiro teria sido obtido na sequência de um acesso informático indevido. O hacker e a instituição bancária acabariam por celebrar um acordo con fi dencial que pôs fi m à disputa, com Rui Pinto a fi car com 17 mil euros, sem nunca ter sido acusado de qualquer crime. Só dois anos mais tarde, em 2015, foi criada a plataforma Football Leaks. Aos poucos, foram publicadas dezenas de documentos con fi denciais de clubes e instituições do futebol mundial. Em Portugal, FC Porto, Ben fi ca e Sporting foram os clubes visados. Clubes estes que, recentemente, foram alvo de buscas por suspeita de fraudes fi scais cometidas em transferências de jogadores, alegadas irregularidades expostas pelo hacker.

Viria a ser acusado de tentativa de extorsão, após ter enviado mensagens com um nome falso a Nélio Lucas, então responsável pelo fundo de investimento Doyen. Nesses emails, Rui Pinto garantiu parar com as revelações, caso recebesse uma avultada quantia de dinheiro. O advogado Aníbal Pinto, também ele arguido no processo, tentou intermediar uma negociação com o homólogo do fundo de investimento, que acabaria por não se concretizar. Em Espanha, vários jogadores, incluindo Cristiano Ronaldo, foram obrigados a reembolsar o fi sco depois de documentos exporem um esquema de fuga ao pagamento de direitos de imagem.

A queixa da Doyen por tentativa de extorsão motivaria a detenção de Rui Pinto em Janeiro de 2019, mas, apesar de viver na Hungria, o seu rosto era bem conhecido em Portugal.

Em Março, aterrava em Portugal. No aeroporto, um enxame de jornalistas e curiosos tentava captar o rosto do rapaz de cabelo eriçado que fez capas de jornais em todo o mundo.

Fonte: PÚBLICO (22/03/2020)