Introdução
É um processo constituído por algumas dezenas de volumes e apensos sobretudo com informações bancárias, relatos de testemunhas e arguidos e inúmeros documentos apreendidos em buscas domiciliárias e em empresas. As suspeitas: pratica de crimes de burla qualificada, falsificação e branqueamento de capitais que terão causado um prejuízo de pelo menos 23 milhões de euros (com juros) ao antigo Banco Português de Negócios (hoje, BIC). Um dos principais alvos desta investigação do Departamento central de instigação e acção penal (DCIAP) e da Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da Polícia Judiciária é a Inland, Promoção Imobiliária. Uma sociedade anónima detida maioritariamente por Luís Filipe Vieira, o empresário que manda no Benfica há cerca de 13 anos e que, desde 2010, já foi objecto de buscas domiciliárias e interrogado como arguido neste inquérito-crime.
“O único facto que confirmo é que fui constituído arguido, mas tudo foi devidamente esclarecido há cerca de três anos quando questionado no âmbito do processo”, garantiu por escrito Luís Filipe Vieira à “Sábado”. O empresário optou por não responder directamente às questões enviadas, tendo frisado que as perguntas não correspondiam “de todo à realidade” por se basearem em falsas imputações “como foi possível esclarecer em sede própria, aliás, com prova documental, cuja consulta sugiro ao senhor jornalista logo que tal seja possível”.
A investigação judicial do processo 79/09.0TELSB, que se arrasta há cerca de oito anos, parece bastante complexa quanto mais não seja pelo tempo que já passou desde a realização de vários negócios cruzados iniciados ainda antes de Vieira ser eleito presidente do Benfica, em Novembro de 2003, negócios esses que aparentemente acabaram por se tornar ruinosos apenas para o banco dirigido na altura por José Oliveira e Costa.
A história começa assim. Enquanto dono de uma empresa de transportes do concelho de Vila Franca de Xira, que depois se focalizou na área do imobiliário (a Inland é hoje uma das muitas sociedades anónimas que compõem um grupo que tem resultados líquidos muito deficitários – ver infografia).
Luís Filipe Vieira foi um dos clientes mediáticos do BPN, tendo até adquirido um conjunto de 5.159.109 acções da Sociedade Lusa de Negóciso (SLN), que era a entidade que detinha o BPN antes da nacionalização estatal ocorrida em 2008 devido à iminente falência do banco.
Os documentos internos do BPN a que a Sábado teve acesso, demonstram que as acções da SLN (compradas maioritariamente, em Junho de 2001, por cerca de 8 milhões de euros à Euroamer, um grupo dirigido em Portugal pelo antigo jornalista Artur Albarran) serviram depois na prática como a única garantia do pagamento de empréstimos feitos pelo banco à Inland/Obriverca e a uma empresa espanhola, a Transibérica.
Um dos principais financiamentos ocorreu em Junho de 2003 (meses antes de Vieira chegar à Presidência do Benfica), quando o BPN emprestou 20 milhões de euros para a Inland subscrever um aumento de capital de um fundo imobiliário, o BPN Real Estate. A carteira de imóveis do fundo chegou a incluir 12 lotes no Loures Businnes Park e 141 fracções arrendadas no Alverca Park, no Edifício Capitólio e na Torre das Antas, estes últimos localizados no Porto.
O grupo de Vieira deteve, pelo menos, 50% do Real Estate que, em 2010, estava avaliado nos registos oficiais da comissão do mercado de valores imobiliários (CMVM) em 71 milhões de euros, tendo baixado para cerca de 20 Milhões em 2015. Constituído em 2001 por 54.368 unidades de participação, o Real Estate lançou depois novas emissões desta espécie de acções até chegar às actuais 159.362 unidades. Mas a emissão de uma só vez da maior quantidade de unidades (60 mil) aconteceu precisamente no Verão de 2003, tendo a Inland comprado boa parte das mesmas depois de o BPN lhe emprestar os já referidos 20 milhões de euros.
Tratou-se de uma operação em que as unidades do fundo serviram oficialmente como garantia em caso de não pagamento do empréstimo pela Inland, mas a maior parte deste valor acabou pago apenas um ano depois, em 2004, com a venda das acções da SLN detidas pela empresa de Vieira. O negócio resultou de um acordo tripartido entre a Inland (o vendedor das acções), o grupo espanhol Indigo/administradora Transibérica, SL (o comprador) e o BPN (o financiador). E teve dois intervenientes principais: José Oliveira e Costa e o advogado Almerindo de Sousa Duarte, amigo do banqueiro desde os anos 80 (trabalhou com ele cerca de 10 anos no então Banco Pinto & Sotto Mayor) e braço-direito de Vieira nas empresas. Almerindo ainda hoje é sócio e administrador da sociedade gestora de participações sociais das três sociedades anónimas que comandam o universo empresarial privado do presidente do Benfica.
O procurador e sócio de Vieira
O negócio financeiro das acções da SLN detidas por Vieira terá começado formalmente a 29 de Dezembro de 2003, quando a Indigo Corporate Finance SA se comprometeu a adquirir as acções do grupo BPN detidas pela Inland por cerca de 14 milhões de euros (2,75 euros por cada acção). No entanto, cerca de três meses após este contrato inicial, a 20 de Fevereiro de 2004, a Inland e a Indigo acordaram a cessão do negócio à Transportadora Transibérica, uma empresa criada em 2001 que era detida a 100% pela Indigo e gerida pelo espanhol Manuel Redondo, também administrador da Indigo.
Na realidade, a Transibérica era ainda, segundo a documentação interna do sector do BPN que avaliou a concessão do crédito, “uma empresa de capitais de risco” que servia de “veículo para os investimentos a realizar pelos seus sócios”. O parecer técnico do BPN foi favorável ao negócio, apesar de nele contar um alerta importante: a situação económica da empresa espanhola era “frágil” no que dizia respeito aos capitais próprios” e tinha ainda “um montante muito significativo do passivo”.
Outros documentos internos do BPN datados de 26 de Março de 2004, a que a “Sábado” acedeu, revelam que a Transibérica e a Inland informaram José Oliveira Costa (que presidia à SLN e ao BPN) que tinham feito a permuta na venda das acções. Além disso, segundo os respectivos contratos de promessa de cedência destas acções, Oliveira Costa também terá percebido que Almerindo de Sousa Duarte actuou nos dois tabuleiros do negócio, ou seja, participou na trasacção como administrador da Inland e também como um dos representantes em Portugal da Transibérica. Neste último caso, a procuração legal só existiu por um período relativamente curto, entre Março de 2004 e Outubro de 2005, praticamente o tempo em que se concretizou por fases a totalidade do negócio.
Segundo os acordos estabelecidos, a espanhola Transibérica comprometeu-se a cumprir um calendário de pagamentos à empresa de Luís Filipe Vieira, mas isso ficou sempre dependente da aprovação do empréstimo do BPN que devia ser transferido em três fases para as contas da empresa espanhola. Um acordo polémico, pois o financiamento do BPN à Transbiérica foi justificado no banco com a compra de accções da SLN o grupo financiava a compra de “activos” do grupo sem aumentar o capital do próprio banco devido à subida dos rácios de risco e também a aquisição de participações em outras sociedades.
Numa carta dirigida em 2004 ao BPN, a Transibérica garantiu deter acções de três firmas espanholas (10% da Alumínios Caralan SL. 15% da Artes Complex SA e 15% da PSK Oceanos), especificando que iria comprar com o financiamento do BPN mais acções de quatro outras empresa, pertencendo duas ao universo empresarial imobiliário de Luís Filipe Vieira. A primeira delas era a Verdelago, Sociedade Imobiliária, SA fundada em 1986 e que tinha em curso um empreendimento turístico/imobiliário em Altura no concelho de Castro Marim. A segunda empresa era a Overbrick, Promoção Imobiliária, SA fundada em 2000 para lançar uma urbanização no concelho de Loures.
A Transibérica garantiu que ira comprar 10% das empresas, juntamente com o capital social de mais duas que estavam fora do universo empresarial de Vieira. 100% da Notos, uma sociedade de parques éolicos, e 10% da espanhola Marpetrol SA, especializada em transporte marítimo de produtos refinados derivados do pertóleo.
As acções nunca apareceram
Quando o BPN libertou em Abril de 2004 a primeira transferência do financiamento para a Transibérica (os 2,.5 milhões de euros foram reenviados no mesmo dia para a conta da Inland), a operação foi justificada no sistema interno do banco com a compra de 10% da Verdelago, uma aquisição que não aconteceu. No entanto, sete dias depois, a Transibérica enviou mais uma carta a Oliveira e Costa a solicitar a libertação de uma nova tranche de 4 milhões de euros, comprometendo-se a “entregar as acções da Verdelago e Overbrick” até ao fim de Maio de 2004.
A intervenção direta de Oliveira e Costa foi pedida porque os gestores de conta do BPN terão resistido a deixar sair mais dinheiro tendo argumentado que o risco seria cada vez maior porque a Transibérica apenas entregara como penhor nas instalações de Lisboa do BPN as referidas acções da Aires Complex, SA e da Alumínio Catalan. As acções foram registadas no sistema informático do banco com o valor de pouco mais de 920 mil euros, segundo consta no relatório da auditoria concluído cinco anos depois, em 2009, das condições de concessão daquele crédito.
Este foi de resto o relatório que serviu de base à queixa-crime enviada nesse ano pela então nova administração do BPN ao ministério público, constando neste documento outros dados preocupantes sobre o negócio. Por exemplo, mesmo as próprias accções da Aires e da Alumínio dadas como penhor são suspeitas de serem falsas (“não foram reconhecidas pelas entidades emitentes”, frisa o relatório a que a Sábado teve acesso). Além disso, os documentos originais das acções também desapareceram (só foram encontradas cópias) do departamento de títulos do banco, que ficava numa sala no 3º piso da sede do BPN em Lisboa.
Suspeitando ou não do que se estava a passar, em 2004 Oliveira e Costa concordou com o pagamento
de uma nova tranche do financiamento à Transibérica depois de obter um parecer interno favorável de Teodoro Ribeiro, o director-coordenador da Unidade de desenvolvimento de crédito do BPN. Precisamente o responsável que tinha assinado em representação do banco, em Agosto do ano anterior, o já citado contrato de abertura de crédito de 20 milhões de euros entre o BPN e a Inland, representada por Luís Filipe Vieira e o filho Tiago Vieira.
Na terceira tranche do crédito, o BPN transferiu para a Transibérica 6,45 milhões de euros que também foram remetidos pela firma espanhola para a conta bancaria da empresa de Vieira e Almerindo Duarte. “Assim, do total aprovado inicialmente, de 13,55 milhões de euros, o cliente utilizou 12,66 milhões (93,43%) para transferir para a contar da Inland (…) que utilizou o montante recebido para amortizar uma Conta caucionada de 20 milhões concedida em Agosto de 2003 e que se havia destinado ao aumento de capital do Fundo de Investimento fechado BPN Real Estate”, concluiu a auditoria do BPN, tendo especificado que nunca foram compradas as acções das empresas de Veira conforme estava previsto na concessão do crédito à Transibérica.
A investigação posterior da PJ, concluiu em 2013 que tinham sido detectados fortes indícios de que a montagem da operação financeira nunca terá tido sequer a intenção de comprar as acções das empresas de Luís Filipe Vieira. Entre as provas recolhidas pelas autoridades estavam vários documentos e testemunhos como o do antigo assessor da administração do BPN, António Duarte, que adiantou aos investigadores da PJ e do DCIAP uma explicação para aquele intrincado negócio ter-se-ia verificado um conluio entre BPN, Inland e Administradora Transibérica porque ninguém pode assumir que o financiamento em causa se destinava apenas à aquisição de acções próprias por parte do BPN, uma actuação que contraria as regras de supervisão bancária. Ou seja, caso o negócio fosse conhecido, o Banco de Portugal exigiria uma nova avaliação dos rácios de risco do banco e o correspondente aumento de capital do BPN.
Os arguidos ilustres
O financiamento assumido pelo BPN foi mais um dos muitos negócios ruinosos feitos pelo banco durante a gestão de Oliveira e Costa. Ao ponto de o banco e a Transibérica terem ainda assinado, a 1 de Julho de 2004, uma nova alteração ao contrato. Assim, o monatnte global do crédito subiu cerca de 1,3 milhões de euros (para 14.850.000,00€), estabelecendo-se que, até 30 de Setembro desse ano, teria de se constituir o tal penhor sobre as referidas acções a comprar à Verdelago, Overbrick, Notos e Marpetrol. Catorze dias depois, Almerindo Duarte escreveu ao então administrador do BPN Francisco Sanches relatando os anteriores contactos com Oliveira e Costa e anunciando que as acções em causa só seriam compradas até ao fim do ano. Isso voltou a não acontecer, mas o dinheiro do empréstimo foi libertado pelo BPN e a Transibérica aproveitou o aumento de capital da SLN e comprou mais acções desta sociedade. No fim, as acções da SLN foram os únicos bens que serviram de garantia/penhor do pagamento dos empréstimos.
A 11 de Janeiro de 2005, Almerindo Sousa e o espnahol Manuel Redondo, os procuradores da Transibérica , formalizaram com o BPN o contrato final de pnehor dos 5.945.259 de acções da SLN ( as iniciais da Inland e as novas que foram compradas).
Meses depois, o negócio desapareceu das contas oficiais do BPN, SA. Uma nota interna do banco, dirigida a 20 de Julho de 2005 a Teodoro Liberio, especificou que a Transibérica não cumprira o acordado e que a conta da empresa já tinha um saldo devedor de 1,25 milhões de euros. A solução passou por mudar o crédito total para um offshore, o BPN IF1, SA, localizado em Cabo Verde e conhecido como Banco Insular. Um banco que se tornou celebre por ter sido usado para esconder muitas transacções duvidosas que terão provocado largos milhões de euros de prejuizo ao BPN/SLN.
A 18 de Outubro de 2005, o unico administrador da Transibérica, José Gonzalez, revogou a procuração especial que tinha passado a Almerindo Duarte. AS acções da SLN ficaram em defenitivo na posse do BPN e a Transibérica nunca pagou o empréstimo.
Já a Inland, com o crédito de 20 milhões de euros pagos ao BPN, solicitou em 2007 que o banco solicitou em 2007 que o banco transferisse as 79.681 unidades de participação que detinha no du fundo Real Estate para a conta da Sociedade Rising, Investimentos Imobiliários e Gestão de Participações Financeiras, SGPS, SA, uma entidade detida por Luís Filipe Vieira e que ainda nesse ano mudou de nome para Votion. As acções do Real Estate serviram como garantia de um novo empréstimo de 30 milhões de euros concedido pela Caixa Geral de Depósitos. A Votion é administrada pelo filho de Luís Filipe Vieira e pelos administradores Almerindo Duarte e José Manuel Gouveia. No processo-crime, além de Oliveira Costa, Vieira, Almerindo e Gouveia foram constituídos arguidos.
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Fonte:http://misterdocafe.blogspot.pt/