Texto de Carlos Garcez Osório
Há frases e princípios que pura e simplesmente não compreendo. Não percebo a sua lógica ou razão. Pela sua absoluta imbecilidade e, também, pela facilidade com que são bovinamente aceites, “tiram-me do sério”.
“Somos um País demasiado pequeno para se incentivarem divisões entre nós” é uma delas ou um deles. Primeiro, as razões que motivam as tais “divisões” não dependem, obviamente, do tamanho do grupo. Se a razão é suficientemente grave para poder originar uma divisão, é irrelevante que a comunidade seja grande ou pequena.
Segundo, a tal mirífica união que deveria resultar da nossa exiguidade, enfim, como hei de dizer isto, pura e simplesmente não existe. Nunca existiu e o correr dos tempos só tem agravado essa desunião. Não superficialmente nem oficialmente porque graças aos ditames da mentirosa “coesão nacional”, nunca esteve tão forte. Mas na prática. No dia a dia e nos sentimentos profundos dos portugueses. Aquela mentira que pela sua repetição não se torna verdade para além dos discursos de quem a promove, implode face às enormes desigualdades, injustiças e discriminações que o Estado e o sistema político central estimulam. Somos todos uma enorme família, mas escancaradamente, uns são filhos (Lisboa) e outros são enteados (o resto do País).
Terceiro, as tais divisões que eu e outros como eu, somos acusados de incentivar, originam-se como e porquê? Não é seguramente no nosso discurso, porque se chamamos a atenção para algo, é porque esse “algo” já existe antes. Posso aceitar que o tom inflamado e veemente pode acentuar diferenças. Mas além de ser um crente quase básico do “quem não se sente, não é filho de boa gente”, só se pode acentuar o que já existe.
E é nesta particular averiguação sobre a efectiva responsabilidade pelas razões que levam à desunião, que surgem os indícios que nos permitem compreender muito daquilo que este País é hoje (e quase sempre foi). Temos um País desequilibrado, completa e ostensivamente desequilibrado. Em termos de poder, claro, qualquer que ele seja: económico, político, judicial, legislativo, comunicacional, de autoridade, de autonomia, etc. Mas pior, temos um país subjugado a uma filosofia imposta pela capital. Uma filosofia que nos impõe a mansidão e a subserviência.
A cobardia própria de quem alcançou o poder, não pelo talento, não pela vocação, não pelo mérito, mas pela trafulha subversão dos critérios que deveriam presidir às escolhas, sobrevive e depende da inexistência quer de verdadeiro escrutínio, quer, e principalmente, da inexistência de reacções vigorosas. Os fracos só conseguem dominar os povos fracos. Por isso, e para assegurar a ausência de resistência, montou-se um sistema social e político que depende de um conceito vago, mas incrivelmente bem aceite: uma espécie de “urbanidade” que se propagandeou, com sucesso, como base e objectivo de uma sociedade moderna, tolerante e justa. Pois, como conceito, realmente é essencial. Mas apenas para os que beneficiam deste “estado de coisas”. Quanto à justiça na sociedade, não tenham quaisquer dúvidas, não é com “urbanidade” que a alcançamos.
Lisboa despreza-nos. O que até seria aceitável, negligenciável e mesmo desejável, se “eles” não determinassem efectivamente a nossa vida, nos mais pequenos pormenores. E nessa “ditadura” (acham exagero? olhem que não) têm ao seu dispor um “braço armado” alinhado e eficaz. Não, não falo de forças militares, paramilitares ou policiais. Falo da comunicação social. Um poder alimentado e configurado por Lisboa. Em regra, até porque as excepções são isso mesmo, excepções. A comunicação social cinicamente rende-se extasiada a uma falsidade que mais não é que uma autêntica burla: a supremacia intelectual e estética de Lisboa e dos Lisboetas. Nem vou discutir as razões que determinam a falsidade dessa trapaça, porque precisaria (precisarei) de outro texto só para isso.
A comunicação social dominante está primariamente não ao serviço do País, mas ao serviço de Lisboa e do que é lisboeta. Como é o caso do SL coisos. Num sistema eficiente em que são, ao mesmo tempo, causa e consequência da perversão da informação, não têm qualquer pejo em criar, alterar ou calar os factos. Para a maior parte da comunicação social portuguesa, a verdade é um conceito relativo. Muito relativo. Uma identidade plástica que deve ser moldada de forma a servir os “altos interesses” em que acreditam. E quando o que deve ser escrutinado, investigado e informado pode pôr em causa esses “altos interesses”, “mandam-se às malvas” a subtileza e a cautela. E então vale tudo.
Só que neste país o “vale tudo” é rentável. Neste país e só neste país, o “vale tudo” não corre risco de detonar uma resposta musculada. Neste país de mansos, o único perigo que o “vale tudo” corre é de ver os portugueses ficarem-lhe gratos.
Não adianta repisar o que já há muito sabemos: o maior adversário do FC Porto em Portugal é a comunicação social. Mas adianta perceber que o facto de o assumirmos, de o apontarmos e de fazer dessa luta contra a comunicação social um objectivo estratégico, ultrapassa os interesses próprios e pessoais do FC Porto e dos portistas, para passar a ser um desígnio nacional. Para passar a ser uma forma de resistência patriótica.
E escusam de vir com a “lengalenga” do “provincianismo” porque facilmente se percebe a realidade por trás dessa imbecil acusação. E percebe-se tão, tão facilmente, que até uma frase típica da minha filha mais nova o explica: “quem diz, é quem é”.