Através da denúncia do presidente do FC Porto, Jorge Nuno Pinto da Costa, e da estrutura do clube, ficamos a saber que o fisco, em Março do ano corrente, devia ao FCP cerca de 4 milhões 750 mil de euros. Uma situação que, para o comum dos cidadãos deve parecer improvável pois o que mais se ouve falar é nas dívidas fiscais de pessoas e empresas e não, como se depreende da denúncia, a situação contrária. O que se conhece são as fugas ao fisco, principalmente através de esquemas contabilísticos – a chamada contabilidade criativa – que permitem, principalmente aos grandes contribuintes, contornar a lei e pagarem menos do que lhes seria devido.
Sendo assim, a pergunta torna-se ainda mais pertinente: como aparece esta situação de dívida a um contribuinte e que levou o presidente do FCP a apelidar o Fisco de caloteiro? Para compreender este caso, vamos explicar como está definida a estrutura de impostos em Portugal e, em particular, como funciona o IVA (Imposto Sobre o Valor Acrescentado), o imposto que está em causa.
Nos anos 80 do século passado, no inicio da adaptação das regras fiscais à Europa Comunitária, foi criado um novo sistema tributário que ainda é a base do sistema fiscal português actual.
Simplificando, o sistema fiscal português baseia-se em dois grandes grupos de impostos: impostos directos e impostos indirectos.
Os primeiros são calculados em função do rendimento, ou seja, incidem directamente sobre o rendimento das pessoas e das empresas, daí o seu nome. O mais conhecido, porque toca a quase todos os portugueses, é o Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Singulares, o IRS, que incide, por exemplo, sobre os vencimentos ou as pensões.
Diferentes na sua génese são os impostos indirectos que apenas são devidos quando praticámos um determinado acto como, por exemplo, a compra de um bem ou um serviço. Entre estes impostos indirectos encontra-se o IVA.
E o que é o IVA? Este imposto – o mais proveitoso para o Estado português que, em 2019, permitiu arrecadar 17 milhões 862 mil de euros, mais do que os 13 milhões 171 mil do IRS – é um imposto geral sobre o consumo e é um imposto plurifásico já que é cobrado em todas as fases do circuito económico, do produtor ao retalhista.
Como funciona? Em termos muitos simples, elucidamos com um exemplo. Suponha-se a produção de vinho. O viticultor vende as uvas, cobrando o IVA ao produtor. Este produz o vinho e vende-o ao distribuidor, cobrando, também ele, o respectivo IVA. O distribuidor entrega-o ao retalhista, loja, ao qual também aplica o IVA à taxa legal. Por fim a loja vende-o ao consumidor final ao qual cobra igualmente o IVA.
Todos estes intervenientes no processo produtivo do vinho são obrigados a prestar contas ao Estado pelo IVA que cobraram e pelo IVA que receberam, através de uma declaração – que pode ser mensal ou trimestral, de acordo com o volume de vendas – o que corresponde a uma espécie de acerto de contas dos agentes económicos com o Estado.
Como se faz esse acerto de contas? Voltemos ao exemplo anterior. Suponhamos que o produtor, ao vender o seu vinho ao distribuidor, cobra 100 de IVA. Supondo que o distribuidor, ao vender o vinho ao retalhista cobra 120, não vai ter de entregar ao fisco os 120 arrecadados, mas apenas 20 que correspondem à diferença entre aquilo que recebeu (120) e aquilo que suportou (100). Sucessivamente e em todas as fases do processo produtivo, – por isso se denomina este imposto de plurifásico – este processo repete-se.
Como se depreende, o único que não pode descontar o IVA que pagou é o consumidor final porque já não encontra, no ciclo produtivo, qualquer outro interveniente.
Como se pode compreender cada participante, através da sua declaração de IVA, pode ter de restituir ao Estado – se recebeu de IVA mais do que aquilo que pagou – ou, ao invés, terá de ser reembolsado pelo Estado caso suceda a situação inversa. Segundo o código do IVA, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem de reembolsar o IVA até ao fim do 2º mês de apresentação do pedido de reembolso.
E aqui cabe a denúncia do FC Porto. Devido à pandemia, as receitas do clube baixaram drasticamente e por isso o IVA arrecadado com as vendas também diminuíram na mesma proporção. Como as despesas se mantiveram praticamente ao mesmo nível, o FCP arrecadou de IVA um valor substancialmente inferior à quele que teve suportar, sendo-lhe devido o reembolso do imposto que suportou a mais.
Em Março já tinham passado muito mais de dois meses sem que o fisco fizesse o que lhe era devido: o reembolso. Por isso a Autoridade Tributária portuguesa deve ao FCP a quantia que foi divulgada. E, na gíria popular, como chamamos aos que não pagam o que devem? Caloteiros, obviamente.
Fosse ao contrário e já as autoridades fiscais tinham movido todos os cordelinhos legais para reaver o que lhe era devido. Assim…
Faria de Almeida