Acho que merece que se transcreva a entrevista de Abril de 2011:
Ser campeão na casa do Benfica não é um feito inédito para o F.C. Porto, mas quase. A outra vez foi há 71 anos, o que é mais do que uma vida. Ou quase. No caso de Henrique Dias Faria, os dois títulos ganhos no terreno do eterno rival cabem na mesma vida. Ele tem 97 anos (acabadinhos de fazer).
É o sócio número um do F.C. Porto e é a verdadeira memória viva do clube. Nasceu a 30 de Março de 1914, fez-se associado dezoito anos depois e acompanhou o clube ao vivo até aos 89 anos. «Parei quando deitaram o Estádio das Antas abaixo. Fiquei sem o meu camarote e deixei de ir ao futebol.»
Antes disso, e sobretudo quando era novo, ia com a equipa a todo o lado. «Lembro-me quando ganhámos o Campeonato de Portugal de 1922», conta ao Maisfutebol. «Tinha sete anos.» Também se lembra do triunfo de 1939/40, claro. O tal que o F.C. Porto venceu no Campo das Amoreiras.
«Claro que lembro. Então não lembro?», pergunta do alto de uma lucidez invejável. «Foi uma grande festa. Muito maior do que agora. É que ganhar em Lisboa naquela altura era muito difícil.» Agora nem tanto, diz. «Antigamente era um grande feito. Hoje em dia já não é nada de especial.»
Do jogo só sabe o que lhe contaram. «Não estive lá.» Mas não lamenta. Pelo contrário. «Tinha ido no ano anterior às Amoreiras e jurei que nunca mais. Fui insultado, cuspido e tive de correr a fugir das pedras. E eles ganharam, imagine se perdiam... Nunca mais fui ver um jogo a Lisboa», revela.
Dessa vitória na casa encarnada lembra-se de uma grande equipa. «Tinha o Pinga, que foi o melhor jogador que vi jogar. Foi o primeiro a marcar cantos directos. Marcava muitos golos de canto». E lembra-se do treinador, claro. «O Siska. Nessa altura em Lisboa chamavam ao Porto o F.C. Siska.»
Mihaly Siska, mais tarde Miguel Siska, é um nome histórico no F.C. Porto. É o mais novo treinador campeão de sempre: com 33 anos. Foi também o primeiro a ganhar o título na casa do Benfica. Dois feitos agora igualados por Villas-Boas. «Não têm nada a ver. São completamente diferentes.»
Henrique Dias Faria conheceu bem Siska. Eram outros tempos. «Eu era amigo do Lopes Carneiro, que era o ponta direita. Estudámos juntos no Colégio da Boavista. Então conhecia aquela gente toda. O Soares dos Reis, o guarda-redes, tinha uma tipografia e eu dava-lhe trabalho do meu escritório.»
A partir daí o contacto era quase diário. «Juntávamo-nos na Constituição, no Lima ou no café do Valdemar Mota, que era uma café/mercearia ao lado do campo», refere. «O Siska era um homem muito calado, recatado, muito tímido. O Villas-Boas é um rapaz mais comunicativo, mais atrevido.»
Das tardes de tertúlia no café de Valdemar Mota, o sócio mais antigo do F.C. Porto lembra «um homem calado e que não falava de futebol». «O futebol para ele acabava nos jogos. Fora do campo nunca falava de futebol». Mas lembra mais: «Era muito amigo dos jogadores. Todos gostavam dele.»
«Era um durão, sempre frontal, levava muita pancada mas nunca virava a cara à luta. Mas era muito leal e toda a gente na cidade gostava dele. Tinha boa relação com os jogadores e era esse o segredo dele. Aquela equipa era como uma família, protegiam-se uns aos outros até ao fim», diz Henrique Faria.
Apesar de considerar que Siska era diferente de Villas-Boas, o sócio mais antigo reconhece uma semelhança: ambos são muito tripeiros. «O Siska não era um tripeiro de nascença, mas apaixonou-se por isto, pelas pessoas e ficou aqui até ao fim. Adorava a cidade e o clube, como o Villas-Boas.»