Givanildo Vieira de Souza, conhecido no mundo do futebol como Hulk, partilhou a sua trajetória profissional numa entrevista ao programa ‘Abre Aspas’ da Globo Esporte, no Brasil, onde comemorou 20 anos de carreira como futebolista.
Natural do bairro José Pinheiro, na Zona Leste de Campina Grande, na Paraíba, o avançado rapidamente traçou o seu caminho no desporto. Mudou-se para o Japão, de onde partiu como um jogador desconhecido para o FC Porto. Deixou a sua marca no Dragão, seguiu para a Rússia e, depois, para a China, antes de regressar ao seu país, onde se tornou um ídolo dos adeptos do Atlético Mineiro.
Na entrevista, recordou episódios de racismo que enfrentou ao longo da sua carreira, especialmente na Rússia e no Estádio da Luz, durante os clássicos entre o Benfica e o FC Porto. O avançado fez muitos elogios a Jesualdo Ferreira.
Racismo na carreira: “No início, eu sofri um pouco, houve até um golo que se tornou viral, creio que contra o Benfica no Estádio da Luz. Puxei a bola da direita e marquei. Para ser sincero, nem percebi os adeptos a fazer esse gesto na altura, mas onde presenciei e sofri mais foi na Rússia. Os adeptos adversários entoavam cânticos racistas, eu sofria imenso. Era uma novidade para mim, não sabia como lidar com isso na altura.”
Como lidar com o racismo: “Mais tarde, os jogadores, ao chegarmos ao balneário, o próprio tradutor e o diretor do clube tentaram conversar comigo, oferecendo conselhos. Chegou a um ponto em que eu dizia: ‘Tenho que entender como lidar com isso para não me afetar em campo’. Quando ia a marcar os cantos, os adeptos começavam com os cânticos, eu começava a mandar beijos e a rir, foi a forma que encontrei para lidar com a situação. Quando me atacavam, eu mandava beijos, ria, e isso parecia chocar-os. Eles intensificavam, eu ria e mandava beijos, e começaram a parar. Comecei a sentir-me bem com essa reação. Não foi fácil, sofri imenso. Infelizmente, isso ainda se vê hoje. Não deveria ser assim.”
Suspensão em Portugal e impacto na seleção brasileira: “Em 2010, creio que não fui ao Mundial devido a uma situação. Na altura, a vaga deveria ser do Adriano. Ele lesionou-se, não jogou mais, e eu fui convocado para dois amigáveis. Joguei, o Dunga [selecionador brasileiro na altura] elogiou-me bastante e disse: ‘Conto contigo, volta para o FC Porto, dá o teu melhor. Vais regressar, conto contigo’. Regressei muito confiante, estava a viver um ótimo momento em Portugal na altura.”
Confusão na Luz: “No final de 2009, houve o clássico na Luz, contra o Benfica. Perdemos o jogo por 1-0. O jogo foi muito tumultuado. No final, já estava no balneário, ouvi ‘confusão, confusão’. Estava eu, o Fernando, e mais um. Saímos a correr para ver o que se passava e, ao chegarmos ao túnel, estava uma confusão, empurrões. Os nossos jogadores estavam a conversar com a equipa de segurança do jogo e houve empurrões e provocações. Não sei quem tentou dar um soco a um dos seguranças, que retribuiu, e a confusão começou. Quando a confusão terminou, o Rui Costa, que era o diretor do Benfica na altura, veio, pegou-me no braço e disse: ‘Hulk, o que se passa aqui?’ E eu: ‘Porque é que tudo isso, Rui Costa? Foram vocês que armaram tudo. Ganharam o jogo, tudo bem, mas agora mandar os seguranças arrumarem confusão connosco?’. No final, teve um impacto enorme. Quando entrámos no autocarro, eu e o Săpunaru fomos suspensos. Todos estavam envolvidos, mas apenas nós dois fomos suspensos. Ficámos sem entender.”
Confusão no túnel foi uma armadilha? “Tentaram-nos castigar por imagem, porque, nesse mesmo ano, houve uma confusão entre o Benfica e o Braga, onde puniram dois jogadores do Braga, porque a imagem mostrava tudo. Tentaram usar a imagem do túnel, mas queríamos que usassem as imagens, mas a que foi captada era dos seguranças do jogo, a mexer nas câmaras, a direcionar para um ponto cego, antes do jogo. Onde houve a confusão era um ponto cego, foi uma situação muito estranha, mas aconteceu. Fui suspenso por três meses, era para ser 23 jogos.”
Possibilidade de AC Milan após a confusão: “Nesse período, era apenas treinar. Duas semanas após a suspensão, recebi uma proposta do Milan. Falei com o diretor, ‘Deixa-me ir para o Milan, empresta-me’. ‘Não, não vais. Vamos reverter isso’. Eu disse: ‘Vais reverter o que? Eu quero jogar, não consigo mais, estou apenas a treinar’. O tempo foi passando, e não me deixavam. O Milan fez uma proposta de empréstimo com opção de compra, mas o FC Porto não queria de forma alguma. E assim passou.”
O papel de Jesualdo Ferreira: “Por isso, eu digo que sou muito grato ao Jesualdo [treinador do FC Porto na altura], porque nesse período foi fundamental. Treinávamos, e após o treino, ele chamava-me. Eu não podia jogar ao fim de semana. Ele dizia: ‘Vamos treinar um pouco mais’. Eu ficava a treinar e ele: ‘Bola aqui, domina assim, isto e aquilo, vamos, vamos, faz isso’. Ele sabia que eu precisava de libertar a pressão. Ele fez isso comigo para que eu terminasse o treino cansado. Ele foi fundamental. O tempo passou, e quando o FC Porto já não tinha mais hipóteses de ser campeão, saiu uma decisão para que eu tivesse apenas três jogos de suspensão, mas já tinha cumprido 18, eram 23 no total. E isso numa ano de Mundial de futebol.