Acho que todos os portistas concordarão que batemos no fundo. Pelo menos, aqueles que vou encontrando, todos concordam com a minha ideia de que não temos memória de ver uma equipa de futebol tão fraca com as cores azuis e brancas. O ponto de partida há um ano era bastante complicado, mas, numa primeira apreciação, parecia que, apesar do aperto financeiro e da saída de jogadores importantes, os danos tinham sido minimizados graças a contratações ou empréstimos cirúrgicos. Mas depois saíram Galeno e Nico, Pepê embarcou numa temporada irreconhecível e as contratações revelaram-se afinal quase todas flops: Nehuén Pérez, Tomás Pérez, Deniz Gül, William Gomes e mesmo Francisco Moura, que, em minha opinião, é bem mais fraco do que Zaidu, sobretudo a atacar e a cruzar: salvou-se o emprestado Fábio Vieira, cujo valor já conhecíamos, e Samu, mas apenas enquanto Anselmi não o deixou sozinho com a missão de construir e finalizar golos. E temos agora Gabri Veiga, cujo valor ainda está por perceber, assim como a sua exacta posição e função no onze, que não sei se ele próprio saberá.
A somar a tudo isto, talvez o principal: a contratação de Martín Anselmi, apresentado como alguém que pensava muito à frente e que iria pôr a equipa a jogar um futebol entusiasmante. Seis meses passados, leio várias análises benevolentes ao seu trabalho, porque, dizem, aos poucos as suas ideias estão a firmar-se entre os jogadores. Eu, porém, confesso que, tirando a teimosia dos três centrais, não consigo ver que ideias são essas e muito menos que futebol espectacular poderá vir a ser o seu. O jogo contra o Inter Miami - uma espécie de selecção escalada entre os lares da terceira idade, da Florida - foi, a esse respeito, esclarecedor. Entrada recuada, como sempre, interrompida por um golo de penálti caído do céu. Depois, preguiça e falta de audácia para cavar a estocada mortal, bem patente nas trocas de bola a meio-campo para arrastar o jogo para o intervalo. Um longo intervalo que se supôs ter servido para Anselmi espicaçar a equipa, mas não, foi o contrário: dois golos sofridos em 7 minutos - o segundo dos quais por Messi no seu 176º golo de livre, através de uma daquelas execuções que todos os defesas conhecem e Cristiano Ronaldo tanto tem tentado imitar. E, depois, a habitual entrega à derrota, mesmo quando os velhotes do Inter já não se mexiam. A habitual incapacidade de reagir a uma desvantagem, de construir jogadas de golo outras que não o pontapé para a frente e o Samu que resolva, e ainda, desgraçadamente, uma falta de atitude estarrecedora. Com Anselmi a assistir, sem conseguir mudar nada. Enfim, dois empates e uma derrota, uma passagem de excursionistas pelo Mundial de clubes.
Que não vamos a lado nenhum com estes jogadores e este treinador é evidente. Não há milagres. De todos os que lá estão, eu deixaria pouco mais de meia-dúzia: os dois guarda-redes, o Marcano, João Mário, Fábio Viera, Rodrigo Mora e Samu. Mas destes, dois são guarda-redes, um quer reformar-se e outro deve ser devolvido ao Arsenal. Restam então três jogadores de campo aceitáveis para uma equipe que aspira a ser campeã de Portugal. A desgraça total está ali, ao virar da esquina, e era de prever, face ao que se preparou nos últimos anos. Nunca será de mais lembrar que Villas-Boas encontrou um clube profissional europeu com 8.000 euros de cash-flow para fazer face a encargos mensais de milhões. Com uma prestação que contava receber, da venda de Otávio ao Al Nassr, recebida antecipadamente pela anterior administração, ao contrário dos pagamentos diferidos para a nova administração. Depois de anos a vermos os dirigentes a porem dinheiro do clube nos seus bolsos, vimos um presidente a fazer o contrário: a ter de pôr dinheiro seu no clube, para que ele não parasse logo aí. Convém nunca esquecer isto. Mas eu acho que o próprio Villas-Boas ainda não se deu conta do estado de degradação a que chegou a equipa profissional de futebol, em termos de qualidade e de atitude competitiva. Só isso explica que tenha podido acreditar que poderíamos ter sido campeões este ano ou, ainda mais extraordinário, vencer o Mundial de Clubes!
Não, deixemo-nos de sonhos impossíveis e desçamos à terra: com esta estrutura e 500 milhões de dívida acumulada, o FC Porto não se reerguerá tão cedo, se é que alguma vez o conseguirá. Tal como as coisas estão, os portistas estão condenados a assistir à morte lenta mas progressiva de um clube outrora vencedor. Independentemente das coisas que é urgente avançarem - como um scouting organizado e profissional em cada região futebolística do planeta, o naming para o estádio e um patrocinador para as camisolas - tudo isso, embora dramaticamente necessário, não será suficiente para dar a volta ao texto. Então, aqui fica a minha provocação: é altura de terminar com essa ficção bondosa do clube dos sócios, que acham que podem ser eles a comandar os destinos do clube, pagando uns trocos por ano, nas quotas. Se o FC Porto quiser, já não digo ombrear com os verdadeiramente grandes da Europa, mas apenas bater-se de igual para igual com os seus rivais portugueses e não fazer má figura na Europa, é altura de enfrentar as coisas como elas são e assumir a única solução possível: colocar-se à venda. Sim, procurar um parceiro que compre a maioria ou parte substancial das acções da SAD e que tenha envergadura financeira e vontade de reconstruir uma grande equipa para servir um grande clube. Se com isto ofendo alguns portistas, lamento. Mas digam-me então qual é a alternativa.
A próxima e provável eleição de João Noronha Lopes como presidente do Benfica não augura nada de bom para o ambiente do futebol português. A forma altiva e convencida como ele se apresenta aos sócios do Benfica, deixa antever, uma vez eleito, idêntica atitude no jogo de forças do nosso futebol: vamos ter a recuperação do espírito de um Benfica que acha que tem um direito particular a subjugar tudo e todos, não esperando nada menos do que três campeonatos em cada quatro ou cinco em cada sete, seja lá como for e seja qual for o valor da concorrência. Ainda nem sequer eleito, Noronha Lopes já "exigiu" à FPF e à Comissão de Arbitragem "explicações" sobre a "vergonhosa" arbitragem de Luís Godinho na final da Taça. Assim, passando a sua opinião à categoria de "facto" e o "facto" a uma fonte de direito, ele "exige"! E ainda não é oficialmente ninguém no futebol português...
Mais uma vez, chamo a atenção para este escândalo: em apenas três dias, o Liverpool, campeão inglês em título, gastou 237 milhões em reforços para a próxima época: o avançado Florian Wirtz, vindo do Bayer Leverkusen por 150 milhões (novo recorde mundial), o lateral-direito Frimpong, vindo do mesmo Bayer por 40 milhões, e o lateral-esquerdo Kerkez, vindo do Bournemouth, por 47 milhões. Se não roubam o título europeu aos milionários do PSG ou cedem perante os do Real Madrid, vai ser uma desfeita!