Ilusões. Vivemos mergulhados em realidades sociais, económicas e ideológicas das direitas. Não temos instituições socialistas, comunistas ou anarquistas, somente a hegemonia do liberalismo político e económico, mesmo que pressionado por algumas bandeiras da social-democracia e frouxas remanescências de uma outra Europa. Nenhum partido de esquerda manobra dentro do seu quadro político e económico. A arquitectura internacional é de direita e impõe-se invariavelmente aos projectos políticos nacionais: recorde-se a resposta à crise das dívidas (para a qual os países foram arrastados pelo descalabro dos sistemas financeiros): a coisa foi resolvida com programas económicos de direita, da austeridade às privatizações. Opções inscritas nos próprios tratados europeus, políticas e não científicas ou meramente tecnocráticas. Olhe-se mais além: os empregos deslocam-se para onde o trabalho é mais barato, o capital procura novos mercados, espremem-se os custos do trabalho incluindo pelo recurso à imigração, a desigualdade aprofunda-se: nada disto resulta da acção da esquerda. Que pouco ou nenhum poder tem. Tudo isto é a consequência lógica e inevitável de políticas e ideologias liberais e neoliberais, de direita. Trata-se do resultado inelutável da "liberdade" económica, da guerra movida à regulação e ao Estado, quando não às próprias pessoas.
Vivemos imersos num sem-fim de patranhas da ideologia dominante. O culto do indivíduo e da liberdade a ele reduzida. A sociedade não existe, como afirmava a outra senhora, que aparentemente passou pela vida de olhos vendados. O dogma da meritocracia, que surge de mão dada à propaganda da liberdade desprovida do colectivo e do Estado. A competição em detrimento da cooperação. As ideias estapafúrdias da racionalidade dos agentes económicos, dos mercados em equilíbrio, blá blá blá... a propaganda habitual. Cada um por si, fragmentado e isolado dos demais, politicamente fragilizado, contra quem conserva e perpetua o poder. O indivíduo, o trabalhador, na luta contra a corporação, contra a elite, contra outros trabalhadores, sem o apoio do colectivo, sem a regulação do Estado, sem redes de suporte social.
De que Europa o colega sente falta? De uma mais antiga? Em que a influência da social-democracia, que nem sequer é a esquerda, era maior? De uma Europa em que a desigualdade era menor?... Havia mais "esquerda", ou centro, nessa Europa. A esquerda sempre foi residual no parlamento europeu. E mesmo o grupo do centro-esquerda, S&D, não vence uma eleição europeia desde 1994. Que esquerda?
Ou a questão será apenas a dos imigrantes? Se for por aí, podemos sempre observar que aumento das populações migrantes nos grandes motores europeus, França, Alemanha e Reino Unido, acontece esmagadoramente pela acção do centro-direita e sempre num plano político comunitário dominado por maiorias do mesmo espectro.
O centro-direita, o liberalismo e o neoliberalismo trouxe-nos até aqui, ao grande descontentamento. Não corrigiu disfunções, não se preocupou com assimetrias nem com o esboroamento dos mecanismos de solidariedade. Não foi a esquerda. O centro-direita e direita tradicional deu-nos o recrudescimento da extrema direita e essa mesma extrema direita, ou direita forte, nada fará pela melhoria da situação. Papam e regurgitam a mesma cartilha económica, mais nacionalismo menos migrantes. Ajoelham-se aos mesmos interesses. A direita musculada, forte, extrema... já governou na Europa. Talvez os europeus estejam um tanto ou quanto esquecidos do que aconteceu.
... é o aldrabão do Ventura que melhorará a vida das pessoas? O pobre coitado que vive num minúsculo cubículo num condomínio de luxo no Parque das Nações? Um tipo que escrevia teses académicas contra a violência policial e a discriminação das minorias e agora berra o contrário? Um partido que tanto defende a extinção da escola pública como o reforço dos serviços do Estado?... Não brinquemos com coisas sérias.