André Villas-Boas distraiu-se uns segundos a olhar para o GPS durante a quarta etapa do rali Dakar, no Peru, em janeiro de 2018. Ocupava a 43ª posição. De repente, o Toyota Hilux que pilotava galgou uma duna e aterrou num buraco. “Não houve distribuição de força. Se tivesse capotado, teria havido essa distribuição. Ali não. Foi seco, direto”, diz à SÁBADO. “Parti a coluna. Um tipo não sabe que partiu a coluna, claro. Mas entrei imediatamente em espasmo muscular nas costas e não me conseguia mexer.”
Regressado ao Porto, repousou quatro dias. Hiperativo por natureza, desafiou os seus amigos de infância para um passeio de mota no Gerês. “Mal arrancámos de minha casa, aquilo tem um monte, e eu aí levanto-me sempre. Eu ando bem de mota. A traseira bateu-me no rabo e eu senti uma dor muito forte a subir-me pela espinha. Vi logo que algo de mau se tinha passado”, afirma. Estava certo: os exames médicos revelaram que tinha a vértebra L1 completamente comprimida, no limite do nervo e da paralisia.
Em consequência dos exames à coluna, os médicos encontraram-lhes uma mancha na tiroide. Era um tumor. “Tiveram de me remover meia tiroide. Acontece que ia morrendo na operação, porque foi aquele 1% das cirurgias que corre mal”, revela Villas-Boas. O susto ocorreu quando estava em recobro, após a visita da mulher, Joana, e dos seus pais. “Passados 10 minutos, comecei a sentir-me mal e lembro-me de pensar: ‘Vou morrer, vou morrer.’ Carreguei no botão, veio o enfermeiro e só me recordo de o ouvir gritar, de pegarem na minha cama, correrem pelo hospital diretamente para as urgências, as portas abrirem à força, injeção e… quando acordei estava na última.”
Hemorragia interna. “Mais uns minutos e morria asfixiado”, diz o antigo treinador. “Foi tudo muito curioso porque, por conta dos exames na tiroide, descobriram-me outro tumor nas costas, que tive também de retirar. Se não fosse o acidente, nunca teria detetado estas doenças.”
Este episódio aumentou a sua crença inabalável no destino. Na cabeça de André, os desejos nunca foram metafísicos, mas materializáveis, bastando para tal colocar-lhes uma dose reforçada de obstinação: “O meu percurso tem provado que consigo alcançar o que ambiciono. Sempre fui obstinado em atingir objetivos, em desejar, querer e obter”, afirma. Foi assim, acredita, que se tornou treinador principal aos 22 anos, que venceu uma Liga Europa com o seu clube de infância aos 33, que conseguiu pilotar num Dakar e comprar uma vasta frota de automóveis clássicos e desportivos.