Uma árvore cai e mata e ao matar desata uma série de reações de quem não tomou ações. Há um novo manual de procedimentos para as tragédias, aquele em que “o apuramento cabal das responsabilidades” é a frase institucional com o significado banal de que a responsabilidade é confusa, difusa ou simplesmente (já) não se usa. É o Estado, são os políticos, serão as autárquicas, foi como sempre vai Marcelo.
É uma tragédia de agosto.
Uma árvore caiu e matou treze pessoas, ferindo mais 49, na freguesia do Monte, na Madeira. Era meio dia e, ontem, o Largo da Fonte estava apinhado de gente, que acorria à festa da padroeira da ilha. Segundo uma fonte local, a árvore caiu num local onde são vendidas velas para a procissão. Um vídeo amador registou o momento. Dez vítimas morreram no local. Uma criança morreu a caminho do hospital e dois adultos morreram já nos serviços de urgência. Dos feridos, doze encontram-se ontem em estado grave.
Os bombeiros acorreram num ápice, o mesmo ápice em que se deitavam mãos à cabeça na incredulidade do havido, numa Madeira que a tragédia não larga, uma árvore que em mais de um século de vida cai no dia preciso em que o largo está mais cheio, o do arraial do Monte. É a terceira tragédia em sete anos na freguesia do Monte, conta o Observador.
Era um carvalho, que muitos habitantes julgavam ser um plátano, estava num jardim do século XIX. Tinha o tronco oco e surgiram informações contraditórias sobre se estava ou não sinalizada pelo risco eventual de queda e sobre estava amarrada com cabos.”
Informações contraditórias: de um lado testemunhos do povo, do outro de políticos que o povo elege. Foi um espetáculo estarrecedor. “A raiva da população foi ontem evidente, com vários moradores a testemunhar que se pede há uma década uma intervenção no local mais visitado na freguesia do Monte”, escreve Inês Cardoso no JN, que sobre a tragédia escreve um dos textos do dia: “Os serviços públicos e os seus titulares existem para cuidar das populações, não para vir bater-lhes no ombro em momentos de tragédia. Que nunca se peça silêncio a quem tem motivos para a revolta”.
Vários depoimentos populares contaram alertas de há anos, o presidente da Junta de Freguesia, Idalino Silva, garante que foram apresentados pedidos de intervenção à Câmara Municipal do Funchal. Miguel Albuquerque, presidente do governo regional da Madeira, primeiro apareceu calado, depois lá lamentou. Paulo Cafôfo, autarca do Funchal, garantiu que nunca deu entrada nos serviços camarários qualquer queixa com vista à limpeza ou abate da árvore. A copa estava “verde e saudável”, disse. A árvore caiu pela raiz.
Reflexão #1: esta espécie de novo manual de procedimentos políticos em tragédias, que já vimos no incêndio de 17 de junho em Pedrógão Grande, mostra como os políticos responsáveis agem sob o instinto imediato da autopreservação. A responsabilidade é diluída, diz-se que isto é a natureza, como se a prevenção não fosse função obrigatória e ou há registos escritos ou está tudo bem.
Reflexão #2: Marcelo Rebelo de Sousa é diferente, é o primeiro a ir ao local, o único que parece preocupado com o consolo e com dar a cara, a voz e o braço. Estava na praia e foi para o Funchal, onde estava pelas sete da tarde. É um Presidente como nunca tivemos e o cinismo (ou a inveja) dos políticos insinua que Marcelo é um oportunista, mais preocupado com a sua popularidade do que com os populares. Não sabemos o que está na sua cabeça, sabemos quais são os seus atos: é um Presidente de afetos, como disse que seria, que assume um papel de Estado que mais ninguém parece querer cumprir, o de estar com as pessoas afetadas pela tragédia e, através da sua presença e voz, forçar a convocatória de políticos arredios ou escorregadios. Ontem assim foi de novo.
Reflexão #3: daqui a um mês há eleições autárquicas. Muitos eleitores estarão a perguntar-se se é para isto que se vota. Muitos candidatos deviam estar a perguntar-se sobre a sua função real se forem eleitos. É uma função de Estado. E o Estado não falha ou cumpre apenas porque houve ou não queixas antes das tragédias. Mesmo que não tivesse havido, neste caso, não é uma obrigação do Estado proteger os cidadãos, prevenir acidentes, vistoriar a segurança de árvores seculares que pendem sobre em espaços públicos?
A descentralização é uma delegação de competências, meios mas também de responsabilidades. António Costa, que no próximo sábado dirá ser um “descentralizador fervoroso” e falará do que entende ser o estado do Estado (ver em baixo “O que eu ando a ler”), começou ontem pelo lamento da frase curta no Twitter, mas depois enviou um comunicado às redações sobre a tragédia.
O arraial do Monte é a maior festa da Madeira, sobre a qual ontem se abateu uma tragédia quando sobre ela abateu uma árvore. Hoje, vários jornais chamam-lhe “a árvore da morte”. No Livro do Génesis, Deus faz nascer no jardim a árvore da vida, que dará fruto de alimento, ao lado da árvore do bem e do mal, de que ninguém deverá comer, até que uma serpente desafia Eva.
A árvore é tum símbolo, como aquela outra árvore com que começa um filme de Manoel Oliveira, num demorado e metafórico, ou metafísico, plano sobre a raiz da história e da vida. O filme chama-se “Non, ou a Vã Glória de Mandar”.
Um dia a realpolitik há de ser a política da vida real.
Às primeiras horas desta manhã, o vice-presidente da Câmara Municipal de Mação, António Louro, disse que as chamas no concelho do distrito de Santarém ardem “com bastante intensidade” e não há “o mínimo de controlo” sobre a situação. Três aldeias continuam cercadas pelas chamas, mas não foi considerado necessário proceder à sua evacuação, tendo em conta a existência de meios no terreno a proteger as habitações