Futebol

Entrevista de Maxi Pereira ao Porto Canal

Maxi vive a segunda temporada no FC Porto depois de ter passado oito épocas no Benfica

Pinto da Costa chamou-lhe jogador “à FC Porto” e todos conhecem o espírito de Maxi. O próprio não o nega. “Entrar em campo é defender os meus companheiros, o trabalho dos funcionários e toda a gente. Esse tem de ser um pouco o compromisso do jogador. Não pode ter amigos em campo, mesmo que do outro lado esteja o melhor amigo. Sempre o encarei assim. Essa é a única maneira de estar completamente focado”, opinou.

A prova foi dada na estreia em clássicos pelo FC Porto. O Benfica foi jogar ao Dragão e Maxi vigiou Gaitán. “Sentia-me como uma criança, pelos nervos de jogar contra ex-companheiros… Mas era tanta a vontade, que estava a mil à hora. E tinha esse amigo do outro lado, mas é como digo: pode ser meu amigo, mas se o vejo no túnel… talvez já nem cumprimente, mesmo que há 3 horas tenhamos falado por telefone. Esse foi dos jogos mais bonitos que vivi com a camisola do FC Porto”, terminou.

Mudança para o FC Porto: As pessoas diziam que era pelo dinheiro e unicamente pelo contrato, mas é mentir. Tinha ofertas superiores de outros clubes noutros países, mas teria de mudar de vida, para um país com vida diferente. Vir para Porto foi desejo meu, da minha família. Eles também insistiram. E os companheiros que jogaram cá já me tinham dito o que era o clube, como eram as pessoas. Era uma oportunidade e desde que me falaram que foi sempre a minha prioridade. Queria sair campeão, quero ser campeão. Não quero sair sem ser campeão nem ganhar nada. Cristian ficou surpreendido. Diz que já não esperava. Mas depois disse que me iria sentir bem. E tinha razão. Não estava errado. Estou muito contente. Falta-me só o extra de ganhar o título.

Chegada a estágio um dia depois de Casillas: Sensações raras. Imaginamos, mas até chegar não se sabe o que se sente. Alegria, nervosismo. Parecia que estava a entrar num jogo com 50 mil pessoas. Mas receberam-me muito bem. Lopetegui foi à porta e senti logo no primeiro dia que tinham grande confiança em mim. Presidente disse-me que era jogador “à porto” e tinham total confiança em mim. Para mim foi muito importante. Agradecer a essas pessoas que acreditaram e tentar agora agradecer com títulos.

Relação com Sérgio Oliveira, depois de uma picardia num Paços de Ferreira-Benfica: Quando cheguei ao estágio na Alemanha puseram-me no mesmo quarto dele e claro, já tinha essa história um pouco antiga com o Sérgio, em que ele marca um golo de penálti e bem, picámo-nos um pouco, e as coisas até poderiam ter terminado mal. Era um pouco estranho, mas ele ajudou-me muito, falou-me do clube como um adepto, é muito portista… Então ouvi-o e aprendi com ele um pouco os hábitos. Ele ajudou-me muito a entrar no grupo.

Um dentro de campo e do jogo, outro de fora: Sim, encaro os jogos como finais. Para mim entrar em campo é defender os meus companheiros, o trabalho dos funcionários e toda a gente. Esse tem de ser um pouco o compromisso do jogador de futebol… Dizer “não tenho amigos em campo”, mesmo que do outro lado esteja o teu melhor amigo. Um defende umas cores e outro defende outras. Sempre o encarei assim, ser o mais sério possível e essa é a única maneira de estar completamente focado. Depois de terminar, se for preciso falar ou aclarar alguma situação faz-se, mas o resto é dentro de campo. O futebol mudou um pouco com a internet e as redes sociais, parece-me que se perdeu um pouco esse código do futebol, do que se passa em campo ou o que vêem as câmeras… Parece-me que se perdeu um pouco esse código.

Quando chegou ao Dragão, Pinto da Costa explicou-lhe o que era um jogador “à Porto” e o uruguaio rapidamente se sentiu à-vontade com uma associação que já se adivinhava

Cristian Rodríguez e Fucile bem lhe disseram que um dia ainda havia de jogar de azul e branco. Ao contrário daquilo que se tem dito, o uruguaio garante que não veio parar ao Dragão por dinheiro, porque até tinha melhores propostas financeiras de outros clubes.

Espírito à Porto: Quando cheguei fui muito bem recebido e o presidente explicou-me, na altura, o que era um jogador “à Porto”. Tratei de dar o máximo dentro de campo, é o mínimo que podia fazer pela equipa. Hoje sinto-me orgulhoso quando falam de mim e fazem essa associação.

Recorda chegada a Portugal: Quando cheguei a Portugal vinha com o Cristian. Quem treinava o Benfica era o Fernando Santos. Pelos vistos tinha sido ele a dar o ok para nos contratarem, mas uma semana depois despediram-no. Chegou o Camacho e voltaram a perguntar se contava, ou não connosco. Ele disse que sim e por cá ficamos. Nessa altura o Cristian foi muito importante, já tinha estado na Europa, em Paris. Foi uma pessoa muito importante, mesmo. Havia muitos uruguaios em Portugal, como o Fucile, depois veio Palito e outros.

A “música” de Fucile: Fucile foi campeão nesse ano era complicado de aturar, pela brincadeira, mas fiquei contente por ele, mas tinha de levar com ele e aguentar, o que não era fácil. Mas sempre me cruzei com o Fucile por cá e na seleção, vários anos. Mas apesar de sermos companheiros na seleção e de sermos muito amigos, nos jogos não havia nada, se tivéssemos de meter o pé metíamos. Dentro do relvado não há amizades.

Contra Cristian no FC Porto: Mais tarde, o Cristiano deixou o Benfica e assinou pelo FC Porto, também foi campeão. Tinha de levar com ele e com o Fucile, mas o Fucile era sempre mais difícil de aturar. O Cristian brincava e dizia que se queria ser campeão tinha de me mudar para FC Porto. No final da temporada e ia à seleção tinha de os aturar. Depois de deixar o Benfica também defrontei outro grande amigo meu que era o Gaitán e era igual.

Prenúncio de mudança para o Dragão: Falavam muito do FC Porto na seleção, o Fucile, o Cristian e o Palito e falavam do clube com um carinho muito grande. Sentiam coisas diferentes daquelas que eu sentia na altura. Mas o Cristian dizia sempre o mesmo, que ia acabar no FC Porto. Não imaginava sequer. Mas atravesso um momento muito bom no clube, a minha família está muito satisfeita e sinto que a única coisa que me falta é ser campeão e esse é o desejo que tenho.

Como sente os adeptos do FC Porto: No FC Porto sinto mais a paixão dos adeptos que temos na América do Sul. Sinto que vivem tudo da mesma forma. Quando perdemos sentimos a mesma desilusão dos adeptos na rua, porque eles querem ganhar tanto como os jogadores. Mas eles estão habituados a ser campeões, empatar ou perder não gostam, não é a mesma coisa ser segundo, querem ganhar e ser campeões. É uma pressão boa que o jogador tem de sentir e de fazer sentir. Mas pelo lado positivo do apoio e não pelo negativo, nem pensar que porque empatamos um jogo está tudo perdido, ou que por vencermos vamos ser campeões. Temos de estar no limite da pressão justa para nos sentirmos seguros e apoiados. Mas temos sentido o apoio o ano todo e que confiam em nós.

No Bessa foi expulso e viu Corona sofrer uma entrada duríssima: É incrível… Se o árbitro entendeu que me atirei para o chão, que simulei, bem, essa é a decisão do árbitro. Agora, dar-me um amarelo a mim por simulação e outro amarelo a alguém que com uma falta que tira um companheiro de campo, pois lesionou-o, são critérios que não entendemos muito bem. Uma jogada com aquela agressividade não deve passar assim daquela forma… De repente uma simulação, em que não magoaste ninguém e em que até sofreste contacto, é igual àquele tipo de entradas… Mas pronto, os árbitros também erram, se fazem de propósito ou não… Eles tentam corrigir e ser o mais justos possível seguramente.

Há um empate com o V. Setúbal e depois o regresso para ir à Luz e marcar o golo: O grande motivo do festejo é pelo facto de estarmos a perder e termos conseguido empatar, que nos mantém na luta. Ainda faltava algum tempo e estávamos a lutar pela vitória… Festejei assim porque o senti assim, ao ver aqueles adeptos a acreditarem em nós, gritei para eles, para dizer-lhes que sou mais um deles e que quero o mesmo que eles, ser campeão. Foi muito bonito, foi uma sensação linda. É sempre lindo fazer um golo, mas claro que contra o Benfica foi diferente.

A par da importância do golo sentiu-se portista? Sim, ver aquela gente toda a cantar a partida toda… Ouvia-se mais a eles do que aos adeptos do Benfica. É mostrar que somos como eles, que sou igual a eles, que dou tudo para ganhar, que o que eles querem é o que eu quero.

Os empates com Braga e Feirense. O que vai na cabeça dos jogadores? Tínhamos a oportunidade de nos aproximar e, se tivéssemos vencido, ficaríamos a um ponto. Não dependeríamos de nós, mas… Temos de corrigir coisas, talvez não tenhamos feito o que trabalhamos durante a semana. O que quero dizer aos adeptos é que continuem a acompanhar-nos, que continuem a confiar em nós como até agora, a equipa vai dar mostras de revolta, de experiência e lutar pelo título. Vamos dar a volta a esta página. Esperemos que o adversário perca e nós não podemos dar mais chances, vencendo as quatro finais. Ainda não acabou, até ao final nada está definido. Nós temos de vencer e esperar.

O lateral uruguaio começou a jogar futebol com seis anos, sofreu com a morte do pai aos 12 anos, mas nunca perdeu o apoio da família para fazer aquilo que mais gostava, sem nunca pensar que um dia chegaria a jogar na Europa

Maxi Pereira vem de uma família humilde, tem seis irmãos, mas até os vizinhos tiveram de o ajudar para que fosse possível realizar o sonho que sempre teve de jogar futebol.

Futebol desde pequeno: No meu bairro joguei na rua desde pequeno, era tranquilo, não é como agora. Os meus pais tiveram sete filhos e tudo isso me obrigou a crescer mais depressa. Foi sempre na base do sacrifício. Claro que quando apareceu a oportunidade de ir para a Europa aproveitei. Todos têm a sua história de vida e de certeza que têm sempre uma história para contar mais complicada. Mas quando vimos de um meio mais humilde damos outro valor às coisas e quando aparece uma oportunidade tentamos agarrá-la com todas as forças. No meu caso tive a sorte de ter podido dedicar-me a algo que gosto muito, que é o futebol. Nem todos têm essa sorte. Mas quando temos de ajudar a família temos mesmo de o fazer, goste-se, ou não, da nossa atividade profissional.

Apoio da família: Somos cinco homens e duas mulheres. Mas todos gostam de futebol e eu fui o que teve a sorte de poder seguir no meio. Mas os meus irmãos sempre me apoiaram. Um dia convidaram-me para treinar e quando um dos meus irmãos não podia acompanhar-me pedíamos a um vizinho para ir comigo. Comecei com seis anos a jogar federado e fui aprendendo, sempre com a ajudar dos meus irmãos, ou dos meus vizinhos. Não foi fácil, porque alguém tinha de me acompanhar.

Paixão pelo futebol: A minha mãe nunca me desencorajou de seguir o futebol, pelo contrário, motivava-me, tal como os meus irmãos. O futebol vivia-se com muita paixão lá em casa, sonhava jogar na I Divisão, mas nunca me passou pela cabeça seguir para a Europa e alcançar a seleção. Só queria ir jogar ao fim de semana e satisfazer a minha paixão. Não pensava em mais nada, nem em ganhar dinheiro com o futebol, ou fazer disso a minha vida. Depois surgiram os desafios.

Adepto do Peñarol: Na minha família são todos adeptos do Peñarol. Mas quando jogava no Defensor e defrontava o Peñarol é óbvio que todos queriam que eu ganhasse o jogo. É normal, mas no outros jogos torciam pelo Peñarol. Quando subi à I Divisão com o Defensor tinha 17 anos, vinha de uma fornada de seis ou sete bons jogadores do clube. Disputamos o título nessa temporada. Competir com o Peñarol e o Nacional não era fácil, porque são clubes com planteis muito fortes. O Defensor não ganhava um título há muitos anos e nessa época disputamos o título com eles. Lesionei-me, foi grave, mas recuperei bem e segui a carreira na mesma. Queria jogar na I Divisão e nesses anos o que queria era fixar-me na I Divisão e jogar, sentir-me importante e ir à seleção. Depois sonhava com a Europa, mas sentia isso um pouco distante, porque tinha a noção de que precisava de crescer mais no clube para abrir uma porta na Europa.

Falecimento do pai: Com seis anos comecei no Chavista e com 12 anos fui para o Defensor. Foi numa altura que coincidiu com a morte do meu pai, foi um momento muito complicado, porque tinha de tomar algumas decisões. Ir treinar para o Defensor era mais longe, não tínhamos dinheiro para fazer a deslocação todos os dias, porque ficava longe de casa, tinha de ir de comboio, mas tive a ajuda de muita gente. Agradeço a todos ainda hoje por essa ajuda.

Começou como… ponta de lança: Quando comecei dos seis aos 12 anos como avançado, ponta de lança. No Defensor era médio e foi assim que cheguei à I Divisão. Depois fui recuando e acabei como lateral. Mas passei por várias posições.

Origem da alcunha: Chamavam-me mono (macaco) com 12 anos, pela forma de andar, pelo meu jeito, eram malandrices daquelas idades. Também me chamavam Cantinflas era pela pinta que tinha, parecia que tinha o mesmo bigode. Mas ficou mono, ainda hoje na seleção. Mas nunca levei a mal, na América do Sul é costume darem alcunhas aos jogadores.

Primeira chamada à seleção principal: Sempre fui internacional na formação, mas a primeira chamada à seleção principal surgiu com 21 ou 22 anos. Fiz uns particulares na Europa e depois fui sendo convocado pelo Tabárez, que saiu e voltou entretanto e lá continuo.

Jogador mais internacional de sempre da seleção: Não imaginava que ia ser internacional tantas vezes e somar tantos jogos. Mas o selecionador é o mesmo há vários anos, confia em mim. Mas estar na seleção há tanto tempo não muda nada, continuo o mesmo, com humildade, os números não são nada, são importantes, mas só vamos valorizar isso com o tempo.

Intercontinental contra o Peñarol: (risos) Nunca falei com Tabárez da final da Intercontinental que perderam com o FC Porto. Mas sei que estava lá.

Em 2011 ganhou a Copa América, foi pai de gémeos, que não os conheceu logo. Dois dias depois apresentou-se em Lisboa, porque o Benfica tinha um jogo muito importante da pré-eliminatória da Champions: Sim, é. Nasceram os gémeos dois dias antes dos quartos contra a Argentina. Acompanhei tudo, mas estava a jogar a Copa América, que era muito importante para a Seleção e o país. Entrou para o parto com a minha mãe. Depois ganhamos a Copa e vivi uma emoção muito grande. Dias depois o Benfica pediu-me para jogar e disse que sim. Para dar uma mão, estou sempre pronto.

Para Maxi Pereira, usar a camisola número dois do FC Porto é algo único. Em entrevista ao Porto Canal, o lateral falou sobre a sua chegada ao Dragão e explicou o que representa vestir a camisola azul e branca.

“Quando me disseram que ia usar o número dois senti toda a confiança. A verdade é que usar um número com tanta historia no clube tem um peso importante e o mínimo que posso fazer é dar o meu melhor. Foi um gesto muito importante”, afirmou o internacional uruguaio, que também destacou a importância de João Pinto no seio do grupo de trabalho portista:

“Não sabia que ia ser tão brincalhão. Fez-me sentir como se estivesse com um amigo de toda a vida. Disse-me para estar tranquilo, que ia ser bem encaminhado. Qualquer coisa, posso falar com ele. É mais um de nós, parece que também está dentro de campo connosco. Saber que tens ali um jogador que ganhou tanta coisa, é muito importante”, acrescentou Maxi.

(fonte ojogo.pt)