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Natural de Lordelo 24 de Novembro de 1965
Rui BarrosNasceu numa casa granítica de Lordelo. Dura e escura como a vida de quem lá viveu. Marcílio, o pai de Rui, comeu o pão que o Diabo amassou, antes de se tornar marceneiro. «O meu pai morreu quando eu tinha apenas quatro anos e a minha mãe teve de ir trabalhar. Não havia escolha. Ela levava os dias a acartar cadeiras à cabeça para que, pelo menos, a miséria não fosse total. Aos sete anos já eu trabalhava, também, para tentar ajudar alguma coisa. Logo a seguir, veio a Segunda Grande Guerra e tudo se tornou ainda pior. Lembro-me de que, aos 10 anos, ia às quatro da manhã buscar pesadas sacas de farinha, palmilhava quilómetros e, por vezes, era assaltado. Fomos sobrevivendo mas, para isso, até tive de andar a pedir na rua. Mais tarde fui melhorando a vida, casei. Lutei muito para sustentar oito filhos. Eu só sabia de uma coisa: não podia deixar que nenhum passasse por aquilo que eu passei». Se os filhos não passaram, pequeninos, o que ele passara, não deixaram de amargar a vida. Por isso, aos 12 anos, sem sequer concluir o ciclo preparatório, Rui foi para a oficina onde trabalhavam o pai e o irmão aprender o ofício de entalhador. «Limpava e raspava as madeiras para a confecção dos móveis e, no fim do mês, o meu irmão sempre tirava três ou quatro contos do seu ordenado para me dar.»
Os calções da chacota e a camioneta para a Covilhã
Por essa altura, foi Rui jogar para os iniciados do Aliados de Lordelo, fascinado por Jaime Pacheco, que pisara aqueles mesmos caminhos pouco antes de José Maria Pedroto o lançar para o galarim. No ano seguinte saltou para o Rebordosa, no seu primeiro ano de júnior transferiu-se para o Paços de Ferreira. «Fomos jogar às Antas, os responsáveis do F. C. Porto gostaram do meu futebol e contrataram-me. Fui campeão de juniores, passei a sénior, treinei-me um mês com Artur Jorge, ele considerou que era melhor eu rodar noutro clube onde pudesse jogar. Fui emprestado ao Sporting da Covilhã. Quando, depois de viajar de camioneta, cheguei à sede para me apresentar, estalaram gargalhadas, ao olhar para o meu perfil, havendo dirigentes que, de sorrisos amarelos, protestavam, dizendo que o F. C. Porto se tinha enganado, que mandara um juvenil... Quando, alguns anos antes, cheguei às Antas, pela primeira vez, a chacota era porque os... calções dos iniciados me ficavam grandes!» Afinal, ainda nem sequer tinha a altura que agora tem, falta-lhe meio centímetro para chegar ao metro e sessenta.
A úlcera de... «stress» que enganou Artur Jorge
No Sporting da Covilhã brilhou, tendo papel decisivo na promoção dos serranos à I Divisão. No ano seguinte, contudo, seria emprestado ao Varzim, onde se manteria até 1987. Só não retornara um ano antes, nessa época em que, com Artur Jorge, o F. C. Porto se sagrara campeão europeu, porque o destino lhe trocou as voltas. Como não começara bem a época, estando algum tempo sem jogar pela equipa poveira, julgou-se que, afinal, ainda não aguçara engenho que lhe permitisse tornar-se dragão de facto e, por isso, se decidiu pela prorrogação do empréstimo ao Varzim. «Mas o que aconteceu foi que tive dois azares seguidos. Primeiro, fui operado a uma úlcera (de stress, disseram os médicos) e, recuperado desse mal, sofri uma entorse que me obrigou a estar sem jogar mais um mês...»
Ivic chegou às Antas e ficou encantado com o futebol daquele médio de ataque incontrolável, que do alto das bancadas parecia pulga em desconcertante bulício. Por isso, apostou nele, em detrimento de... Jaime Pacheco. Seria em Amesterdão, numa noite fria em que o F. C. Porto desbaratou o Ajax de Cruyff, na primeira mão da Supertaça Europeia, que Rui Barros viveria, certamente, a noite de mais cintilante fulgor, de tal modo que um jornalista holandês dele diria: «É impossível de travar, como Maradona, mas duas vezes mais rápido.»
Era a vida num sonho doce que nunca imaginara. «Eu que era para ser entalhador, que ajudava nessas habilidades que se fazem nas camas, os enfeites, senti, feliz, de repente, o Mundo a falar de mim, como um herói... pequenino. Que maravilha! O sr. Ivic lançou-me como médio de ataque, a posição em que gosto mais de jogar, por estar sempre a girar, por não gostar de estar parado e a integração naquele plantel de campeões europeus foi fácil, porque é mais fácil jogar numa equipa em que só há bons jogadores. Não, nunca me senti inferior no confronto com os matulões das outras equipas, sempre fui muito rápido, pequenino mas com uma força dos diabos.»
Por essa altura, Futre, que acabara de ingressar no Atlético Madrid, era o jogador português que mais admirava. Em criança, outro era, por razões óbvias de... vizinhança e não só. «Gostava muito de ver jogar o Jaime Pacheco, mas só o podia ver pela televisão, porque não tinha dinheiro para o ir ver às Antas. Desde pequenino que era forte a queda para o F. C. Porto, acho que só conseguia estar quietinho quando estava a ouvir... relatos. De resto era sempre a abrir, vivia com o jogo!»
Na Juventus, 80 mil contos por ano!
Um ano apenas esteve Rui Barros nas Antas. Ganhava, então, 400 contos por mês, 10 vezes mais do que aquilo que lhe deram ao assinar o seu primeiro contrato de sénior, para que fosse emprestado ao Covilhã. Ao ser transferido para a Juventus passou a arrecadar... 5000, mas, com prémios e contratos de publicidade, os seus ganhos anuais ficaram logo estimados em 80 mil contos!
A fortuna não lhe mudou o ser, não o envaideceu. Antes pelo contrário. Por exemplo, antes de se casar com Luísa, que conheceu quando ainda era operária têxtil, todo o dinheiro que ganhava era dado à mãe, «para que a família toda vivesse sem que nada lhe faltasse, que para privações já bastara o que bastara...»
Pernas seguras por 150 mil contos
Rui BarrosCom a sua transferência para a Juventus, decidida num dia pardacento de Julho de 1988 em que Quinito se apresentara nas Antas como sucessor de Tomislav Ivic, em negócio que envolveu cerca de um milhão de contos, o F. C. Porto arrecadou mais de 600 mil. Quando Rui Barros partiu, abruptamente, para Turim, levou consigo dois... salpicões, obrigado pela mãe. Alugou, de imediato, um apartamento de quatro assoalhadas para viver com os pais e com Luísa, que ainda só era namorada, pagando de renda 250 contos por mês. Comprou um Lancia Turbo de 16 válvulas e um Fiat Tipo para... «desenjoar da grande máquina» e 1500 metros quadrados de terra, em Lordelo, porque era aí que tinha raízes o rapaz pobre que fora tentado pela vecchia signora e assim, como num lance de mágica, se fizera rico, muito rico.
Na Juve o talento de Rui Barros depressa se espalhou, de tal modo que, apesar de se considerar ainda um rapaz de aldeia, em Outubro de 1988 dizia, de coração aberto, que ninguém lhe podia levar a mal que sonhasse com a coroa de Maradona, que era o seu ídolo e só tinha mais oito centímetros que ele! E, precatando-se, dois meses volvidos segurou as suas pernas em 150 mil contos, pagando de prémio anual... mil contos. Ganhou a Taça UEFA, a Taça de Itália, Dino Zoff, que o viera buscar às Antas, encantado, não parava de dizer que Rui Barros era «um vulcãozinho sempre em ebulição».
Mas, de súbito, a sua estrela começou a empalidecer, em Agosto de 1990 foi cedido ao Mónaco, continuando, contudo, a ganhar muito, muito dinheiro, vivendo em mansão de luxo à beira de Stephanie, de Senna, de Becker... Falhou o título de campeão de França, ganhou a Taça, foi finalista da Taça das Taças, na Luz, frente ao Werder Bremen, nas, nessa noite, a sua sina de papa-taças falhou. Entre uma lesão que se foi arrastando, verdejaram-lhe as saudades de Portugal, dos «bons ares de Lordelo». Foi enviando de lá para cá sinais disso, o Sporting entrou na corrida, o F. C. Porto também, mas como nenhum desses clubes quis despender 400 mil contos pelo seu passe internacional, em Julho de 1993 assinou pelo Marselha, ficando à espera de... Paulo Futre como seu companheiro de equipa. Pouco depois estalaria o escândalo de corrupção que destruiu Tapie e o OM, a lesão continuou a ensarilhá-lo, Rui Barros tratou-se nas Antas, voltou a estar com um pé em Alvalade, Cintra até se fez fotografar com ele, mas, em Agosto de 1994, decidido estava já que o F. C. Porto seria, de novo, o seu destino. Deixara de cobrar ordenado mensal de 5000 contos, retornara às Antas, sobretudo por sentimentalismo, para fechar a carreira no clube que lhe abrira o caminho, fulgurante, para a conquista do eldorado. Cinco títulos consecutivos ganharia.
Rui BarrosNasceu numa casa granítica de Lordelo. Dura e escura como a vida de quem lá viveu. Marcílio, o pai de Rui, comeu o pão que o Diabo amassou, antes de se tornar marceneiro. «O meu pai morreu quando eu tinha apenas quatro anos e a minha mãe teve de ir trabalhar. Não havia escolha. Ela levava os dias a acartar cadeiras à cabeça para que, pelo menos, a miséria não fosse total. Aos sete anos já eu trabalhava, também, para tentar ajudar alguma coisa. Logo a seguir, veio a Segunda Grande Guerra e tudo se tornou ainda pior. Lembro-me de que, aos 10 anos, ia às quatro da manhã buscar pesadas sacas de farinha, palmilhava quilómetros e, por vezes, era assaltado. Fomos sobrevivendo mas, para isso, até tive de andar a pedir na rua. Mais tarde fui melhorando a vida, casei. Lutei muito para sustentar oito filhos. Eu só sabia de uma coisa: não podia deixar que nenhum passasse por aquilo que eu passei». Se os filhos não passaram, pequeninos, o que ele passara, não deixaram de amargar a vida. Por isso, aos 12 anos, sem sequer concluir o ciclo preparatório, Rui foi para a oficina onde trabalhavam o pai e o irmão aprender o ofício de entalhador. «Limpava e raspava as madeiras para a confecção dos móveis e, no fim do mês, o meu irmão sempre tirava três ou quatro contos do seu ordenado para me dar.»
Os calções da chacota e a camioneta para a Covilhã
Por essa altura, foi Rui jogar para os iniciados do Aliados de Lordelo, fascinado por Jaime Pacheco, que pisara aqueles mesmos caminhos pouco antes de José Maria Pedroto o lançar para o galarim. No ano seguinte saltou para o Rebordosa, no seu primeiro ano de júnior transferiu-se para o Paços de Ferreira. «Fomos jogar às Antas, os responsáveis do F. C. Porto gostaram do meu futebol e contrataram-me. Fui campeão de juniores, passei a sénior, treinei-me um mês com Artur Jorge, ele considerou que era melhor eu rodar noutro clube onde pudesse jogar. Fui emprestado ao Sporting da Covilhã. Quando, depois de viajar de camioneta, cheguei à sede para me apresentar, estalaram gargalhadas, ao olhar para o meu perfil, havendo dirigentes que, de sorrisos amarelos, protestavam, dizendo que o F. C. Porto se tinha enganado, que mandara um juvenil... Quando, alguns anos antes, cheguei às Antas, pela primeira vez, a chacota era porque os... calções dos iniciados me ficavam grandes!» Afinal, ainda nem sequer tinha a altura que agora tem, falta-lhe meio centímetro para chegar ao metro e sessenta.
A úlcera de... «stress» que enganou Artur Jorge
No Sporting da Covilhã brilhou, tendo papel decisivo na promoção dos serranos à I Divisão. No ano seguinte, contudo, seria emprestado ao Varzim, onde se manteria até 1987. Só não retornara um ano antes, nessa época em que, com Artur Jorge, o F. C. Porto se sagrara campeão europeu, porque o destino lhe trocou as voltas. Como não começara bem a época, estando algum tempo sem jogar pela equipa poveira, julgou-se que, afinal, ainda não aguçara engenho que lhe permitisse tornar-se dragão de facto e, por isso, se decidiu pela prorrogação do empréstimo ao Varzim. «Mas o que aconteceu foi que tive dois azares seguidos. Primeiro, fui operado a uma úlcera (de stress, disseram os médicos) e, recuperado desse mal, sofri uma entorse que me obrigou a estar sem jogar mais um mês...»
Ivic chegou às Antas e ficou encantado com o futebol daquele médio de ataque incontrolável, que do alto das bancadas parecia pulga em desconcertante bulício. Por isso, apostou nele, em detrimento de... Jaime Pacheco. Seria em Amesterdão, numa noite fria em que o F. C. Porto desbaratou o Ajax de Cruyff, na primeira mão da Supertaça Europeia, que Rui Barros viveria, certamente, a noite de mais cintilante fulgor, de tal modo que um jornalista holandês dele diria: «É impossível de travar, como Maradona, mas duas vezes mais rápido.»
Era a vida num sonho doce que nunca imaginara. «Eu que era para ser entalhador, que ajudava nessas habilidades que se fazem nas camas, os enfeites, senti, feliz, de repente, o Mundo a falar de mim, como um herói... pequenino. Que maravilha! O sr. Ivic lançou-me como médio de ataque, a posição em que gosto mais de jogar, por estar sempre a girar, por não gostar de estar parado e a integração naquele plantel de campeões europeus foi fácil, porque é mais fácil jogar numa equipa em que só há bons jogadores. Não, nunca me senti inferior no confronto com os matulões das outras equipas, sempre fui muito rápido, pequenino mas com uma força dos diabos.»
Por essa altura, Futre, que acabara de ingressar no Atlético Madrid, era o jogador português que mais admirava. Em criança, outro era, por razões óbvias de... vizinhança e não só. «Gostava muito de ver jogar o Jaime Pacheco, mas só o podia ver pela televisão, porque não tinha dinheiro para o ir ver às Antas. Desde pequenino que era forte a queda para o F. C. Porto, acho que só conseguia estar quietinho quando estava a ouvir... relatos. De resto era sempre a abrir, vivia com o jogo!»
Na Juventus, 80 mil contos por ano!
Um ano apenas esteve Rui Barros nas Antas. Ganhava, então, 400 contos por mês, 10 vezes mais do que aquilo que lhe deram ao assinar o seu primeiro contrato de sénior, para que fosse emprestado ao Covilhã. Ao ser transferido para a Juventus passou a arrecadar... 5000, mas, com prémios e contratos de publicidade, os seus ganhos anuais ficaram logo estimados em 80 mil contos!
A fortuna não lhe mudou o ser, não o envaideceu. Antes pelo contrário. Por exemplo, antes de se casar com Luísa, que conheceu quando ainda era operária têxtil, todo o dinheiro que ganhava era dado à mãe, «para que a família toda vivesse sem que nada lhe faltasse, que para privações já bastara o que bastara...»
Pernas seguras por 150 mil contos
Rui BarrosCom a sua transferência para a Juventus, decidida num dia pardacento de Julho de 1988 em que Quinito se apresentara nas Antas como sucessor de Tomislav Ivic, em negócio que envolveu cerca de um milhão de contos, o F. C. Porto arrecadou mais de 600 mil. Quando Rui Barros partiu, abruptamente, para Turim, levou consigo dois... salpicões, obrigado pela mãe. Alugou, de imediato, um apartamento de quatro assoalhadas para viver com os pais e com Luísa, que ainda só era namorada, pagando de renda 250 contos por mês. Comprou um Lancia Turbo de 16 válvulas e um Fiat Tipo para... «desenjoar da grande máquina» e 1500 metros quadrados de terra, em Lordelo, porque era aí que tinha raízes o rapaz pobre que fora tentado pela vecchia signora e assim, como num lance de mágica, se fizera rico, muito rico.
Na Juve o talento de Rui Barros depressa se espalhou, de tal modo que, apesar de se considerar ainda um rapaz de aldeia, em Outubro de 1988 dizia, de coração aberto, que ninguém lhe podia levar a mal que sonhasse com a coroa de Maradona, que era o seu ídolo e só tinha mais oito centímetros que ele! E, precatando-se, dois meses volvidos segurou as suas pernas em 150 mil contos, pagando de prémio anual... mil contos. Ganhou a Taça UEFA, a Taça de Itália, Dino Zoff, que o viera buscar às Antas, encantado, não parava de dizer que Rui Barros era «um vulcãozinho sempre em ebulição».
Mas, de súbito, a sua estrela começou a empalidecer, em Agosto de 1990 foi cedido ao Mónaco, continuando, contudo, a ganhar muito, muito dinheiro, vivendo em mansão de luxo à beira de Stephanie, de Senna, de Becker... Falhou o título de campeão de França, ganhou a Taça, foi finalista da Taça das Taças, na Luz, frente ao Werder Bremen, nas, nessa noite, a sua sina de papa-taças falhou. Entre uma lesão que se foi arrastando, verdejaram-lhe as saudades de Portugal, dos «bons ares de Lordelo». Foi enviando de lá para cá sinais disso, o Sporting entrou na corrida, o F. C. Porto também, mas como nenhum desses clubes quis despender 400 mil contos pelo seu passe internacional, em Julho de 1993 assinou pelo Marselha, ficando à espera de... Paulo Futre como seu companheiro de equipa. Pouco depois estalaria o escândalo de corrupção que destruiu Tapie e o OM, a lesão continuou a ensarilhá-lo, Rui Barros tratou-se nas Antas, voltou a estar com um pé em Alvalade, Cintra até se fez fotografar com ele, mas, em Agosto de 1994, decidido estava já que o F. C. Porto seria, de novo, o seu destino. Deixara de cobrar ordenado mensal de 5000 contos, retornara às Antas, sobretudo por sentimentalismo, para fechar a carreira no clube que lhe abrira o caminho, fulgurante, para a conquista do eldorado. Cinco títulos consecutivos ganharia.